sábado, 12 de abril de 2008


MORTE DE PORTUGAL
"É um novo Portugal que está nascendo, sem sublimidade, sem espiritualidade, sem projecto superior às suas forças e à sua dimensão, o Portugal dos burocratas, dos técnicos, o Portugal dos engenheiros e dos economistas, o Portugal dos pequeninos, fundado no racionalismo tecnocrático, assente na omnipotência do mercado e do dinheiro, activando ideias exclusivamente utilitárias (com estes homens, no século XV, nem a Madeira teríamos descoberto, nem Ceuta teríamos conquistado - os custos eram então, de longe, superiores aos benefícios imediatos, desconhecendo-se totalmente os benefícios futuros, a existirem), divulgando propostas soberanamente individualistas, um Portugal que - desossado de dignidade institucional, catavento que segue impulsos americanos (aprovação entusiasmada da Guerra do Iraque nos Açores) ou chineses (recusa de recepção institucional ao Dalai Lama) - se submete a ventos internacionais dominantes, seguindo modas estrangeiras, incapaz de criar a sua própria personalidade. Um governo que se recuse dar privilégio institucional a um prémio Nobel da Paz como o Dalai Lama é um governo sem espírito, sem dignidade, que submete as suas decisões à pressão e ao arranjismo da conjuntura e não a valores permanentes e universais. Submete-se a modas (quadros interactivos na sala de aula), à omnipotência do dinheiro (encerramento de maternidades, recusa de ceder um remédio a um doente canceroso devido ao seu custo), à circunstancialidade do momento(exemplo da não recepção institucional de sua santidade o Dalai Lama): é um governo que separa a alma do corpo e entrega-se hedonística e disciplinadamente, com fervor neófito, ao engrandecimento do corpo. Breve, o corpo esbelto do governo, educado em ginásios de classe média amorfa, bebedora de revistas de moda, se transfigurarem corpo robótico, informatizado, suprema sentinela do Estado na vigilância ao cidadão desencarreirado. Sem valores a defender, tanto fará que seja um ministro com ou sem barba a falar na televisão - será apenas uma máquina-humana a debitar um texto programado internacionalmente pelos interesses económicos maioritários do planeta. Tudo o que nele fazia valer a dignidade humana, desapareceu".
(Real, M. (2007). A Morte de Portugal (1 ed.). Porto: Campo das Letras, pp. 21-22)
Publicada por metatheorique em 21:36

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