terça-feira, 22 de abril de 2008

AIMÉ CÉSAIRE PARTIU

Multidão despede-se do poeta Aimé Césaire na Martinica

Há 2 dias

FORT-DE-FRANCE (AFP) — Uma multidão compareceu neste sábado ao velório do poeta Aimé Césaire na Martinica, no estádio de Dillon, em Fort-de-France, onde no domingo serão realizadas as homenagens nacionais.

O caixão percorreu a cidade na sexta-feira, sob aplausos de milhares de pessoas que acompanharam o cortejo fúnebre para dar o último adeus ao pai do movimento "negritude" e principal figura política da ilha durante mais de meio século. Césaire faleceu na quinta-feira, aos 94 anos.

O presidente francês Nicolas Sarkozy irá à Martinica para assistir à cerimônia de enterro do escritor, poeta, autor teatral, ensaísta e homem político de esquerda.

Sarkozy saudou Aimé Césaire como um "símbolo de esperança para os povos oprimidos".

O velório popular continuará até domingo, quando o poeta será sepultado com honras de Estado, privilégio concedido até hoje na França apenas aos escritores Victor Hugo, Paul Valéry, em 1945, e Colette, em 1954.

Foi ele que, ao lado de Léopold Senghor, encabeçou o movimento da negritude no final dos anos 30. Aliás, foi ele quem utilizou este termo que passou a ser usado em toda a manifestação de afirmação dos negros ao ponto de perder a força original (Césaire queria tirar a palavra de sua condição pejorativa e usá-la ao favor de uma cultura: a cultura das "folhas que resistem ao vento". em outras palavras: transformar o tabu em totem.)

Eis a tradução de um poema seu, recentemente publicado em um livro chamado "Moi, laminaire” e traduzido por Leo Gonçalves:

palavra-macumba

a palavra é mãe dos santos
a palavra é pai dos santos
com a palavra serpente é possível atravessar um rio
povoado de jacarés
me acontece eu desenhar uma palavra no chão
com uma palavra fresca pode-se atravessar o deserto de um dia
existem palavras remo para afastar tubarão
existem palavras iguana
existem palavras subtis essas são palavras bicho-pau
existem palavras de sombra com despertadores em cólera faiscante
existem palavras Xangô
me acontece de nadar malandro nas costas de uma palavra golfinho.

Acerca dele, Mário Soares escreve no DN de hoje:

"Morreu na sua bela ilha - Martinica - o grande poeta e humanista, de língua francesa, Aimé Césaire, um político progressista, comunista no pós-guerra e apóstolo da negritude, como o seu amigo, também poeta e humanista, membro da Academia Francesa, Léopold Sédar Senghor, que conheci bem e do qual tenho a honra de ter sido amigo. Foi um amigo próximo do nosso Mário Pinto de Andrade, colaborador como ele da Présence Africaine.

Tomei contacto com a obra de Aimé Césaire logo a seguir à guerra. Era então uma das figuras de referência da língua francesa e do anticolonialismo. Mas nunca o conheci, embora em 1970 tenha estado de passagem, em Fort-de-France, na Martinica.

Ao contrário do seu amigo Senghor, Césaire recusou sempre honrarias. Foi um homem modesto, coerente com os seus valores e exemplar no seu comportamento. Idolatrado pela população da sua ilha natal, onde viveu, morreu e quis ficar sepultado. O Presidente Sarkozy ofereceu à família o Panteão Nacional, em Paris, uma honra suprema. Mas Césaire terá recusado, antecipadamente. Um grande exemplo de um africano de excepção, de um extraordinário poeta e de um grande homem."


Sem comentários: