quinta-feira, 16 de abril de 2009

Histórias de Abril contadas em Santarém


Uma delas é a do cabo enfermeiro Guilherme, que foi para Lisboa, sem saber que ia para a revolução

Na altura cabo enfermeiro, Guilherme rumou a Lisboa na madrugada de 25 de Abril de 1974 sem saber que partia para uma Revolução. Como dormia na enfermaria, ninguém o chamou para a parada da Escola Prática de Cavalaria, em Santarém, onde o então capitão Salgueiro Maia explicou aos seus homens a missão que tinham pela frente e quis saber quem estava com o Movimento que queria derrubar o regime.

«Não fui voluntário como os outros mas não estou nada arrependido. Tenho muito orgulho em ter participado no 25 de Abril», confessou Guilherme na «Conversa de Abril» que a Comissão para as Comemorações Populares do 25 de Abril promoveu quarta-feira à noite, em Santarém.

Na mesa, para uma conversa no Fórum Actor Mário Viegas que não reuniu mais de uma trintena de pessoas, estiveram outros sete militares na altura da Revolução, todos residentes ou naturais do concelho de Santarém.

De acordo com a Agência Lusa, por este encontro passaram relatos da história recente do país que o agora coronel na reserva Joaquim Bernardo receia que se percam com o tempo, tal como toda a documentação, nomeadamente fotográfica, que retrata esse período na cidade, nomeadamente a recepção a Salgueiro Maia, no regresso de Lisboa, e a «adesão de Santarém ao 25 de Abril, que foi comovente».

«Mágoa» e «tristeza»

Joaquim Bernardo teve uma intervenção activa na criação das comissões administrativas provisórias que ficaram à frente de alguns municípios do distrito, um processo «bastante caloroso» e participado, marcado por alguns episódios, como o da comissão de Coruche, onde a população «agiu como um todo» e foi surpreendido com a inclusão de um elemento do Partido Popular Monárquico na lista.

«Foi uma época muito rica», afirmou, não escondendo o desalento por considerar que Santarém perdeu a «voz activa», demonstrada com a saída da Escola Prática de Cavalaria (EPC) da cidade.

A «mágoa» e «tristeza» pela saída da EPC de Santarém foram unânimes entre os participantes no debate.

«Como militar e como cidadão não vejo nenhuma razão estratégica nem táctica» para a mudança para o quartel de Abrantes - no seu entender, sem condições para receber a cavalaria, ao contrário do que aconteceria se a opção tivesse sido o Campo Militar de Santa Margarida -, «além da perda da parte histórica e do orgulho de Santarém de ter participado numa mudança de regime», disse o agora coronel na reserva Garcia Correia.

Garcia Correia fez parte do «nicho» que deu origem ao Movimento das Forças Armadas em Angola - a primeira reunião foi em sua casa, em Luanda -, chegando à EPC em Janeiro de 1974.

Ambulâncias a abrir caminho

Leonel Martinho do Rosário era major de engenharia e foi na frente de guerra, em Mueda (Moçambique), que percebeu «que o 25 de Abril tinha que acontecer». Quando na noite de 24 de Abril recebeu as instruções manuscritas para rumar com o seu batalhão, a partir de Santa Margarida, para o Porto Alto, para proteger as antenas do Rádio Clube Português (RCP), a sua preocupação foi encontrar forma de passar pelo forte contingente da Guarda Nacional Republicana estacionado em Alpiarça, na altura um bastião de resistência ao regime.

«Não podíamos arriscar ficar retidos», pelo que a solução foi «colocar uma ambulância à frente da coluna e outra atrás, com os alarmes e todos os sinais de aflição» ligados, contou.

A «conversa», que durou cerca de três horas, contou ainda com os testemunhos de José Valbom - então 1º cabo no batalhão de Caçadores 5, com a missão de proteger as instalações do RCP -, Vicente Batalha - que estava na Zona Militar Leste de Angola - e o sargento-mecânico Santos Gomes.

Alcunhado de «Passarinho», Santos Gomes, hoje com 74 anos, entrou para a EPC em 1956, ainda em Torres Novas, orgulhando-se de ter sido o único mecânico que «conhecia todo o tipo de material», que arranjava «com alicate e arame», um engenho que se revelou muitas vezes essencial nas frentes de guerra, de onde confessou ter vindo «abalado».

In Portugal Diário

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