quarta-feira, 2 de julho de 2008

Textos de filosofia política (13)


A TECNOCRACIA E AS SUAS LIGAÇÕES À SOCIOLOGIA DA BUROCRACIA DE WEBER

Weber não tinha ido tão longe como outros autores, entre os quais Marx, na apreciação do poder político e económico da burocracia, pela simples razão de que a sua teoria da estratificação lida mais com a noção de estatuto do que com a noção de classe social e supõe os burocratas sem autonomia suficiente para definirem uma ideologia política e uma linha de assalto. Os burocratas eram sobretudo indivíduos oriundos dos estratos médio burgueses com ideias tipicamente representativas das suas bases sociais de origem nas sociedades de mercado e quando equacionou o fortalecimento da burocracia no regime soviético não leu as suas consequências políticas de forma tão profunda e dramática quanto os autores posteriores que citámos, mormente os de extracção marxista. Para Weber a densificação burocrática no socialismo era uma questão de quantidade e não de qualidade.

Afirmando a superioridade técnica da burocracia, Weber desvincula-a da natureza dos regimes económicos e sociais onde se instala. Se ela se acomoda e desenvolve nas sociedades capitalistas e adquire ainda melhores condições para frutificar no «socialismo de Estado» (URSS) é porque em ambos os casos impera a economia complexa e a racionalidade organizacional torna-se incontornável.

Na sua essência, a burocracia não cria valores políticos próprios e a sua cultura enraíza-se na defesa do seu ser, isto é, dos privilégios imateriais (autoridade, prestígio social) e materiais (remunerações) de que dispõe. A neutralidade ideológica da burocracia enquanto corpo organizado, as vinculações individuais dos seus membros aos meios sociais de origem e a concentração das suas energias na auto-preservação explicam, no discurso weberiano, a impossibilidade teórica de tratar os burocratas como uma camada ou classe social capaz de sustentar um projecto político autónomo. A história da estabilidade burocrática em França desde o Primeiro Império e o testemunho da facilidade com que o conquistador estrangeiro utilizou em seu proveito a burocracia nacional sempre que foi necessário provaria a tese da neutralidade ideológica burocrática e da falta característica de suficiência política.

Do quadro sociológico weberiano desprende-se o retrato de uma burocracia serventuária da dominação dos ocupantes do poder político e, nesta lógica, o espaço sociopolítico dos burocratas da administração pública é concebido na linha hegeliana e marxista das funções de mediação entre o vértice do poder e a sociedade civil. A diferença das conclusões weberianas quanto à administração pública reside na defesa da superioridade técnica do fenómeno burocrático por oposição à valorização hegeliana da sua vertente espiritualista e à acentuação marxista da sua natureza parasitária. Mas onde as conclusões weberianas ganham decisiva originalidade e o fenómeno burocrático um lugar sociológico de primeira grandeza é na extensão do fenómeno burocrático a todas as outras esferas organizacional. Privatizada, empresarializada e universalizada, a burocracia não pode deixar de ganhar peculiaridades sociais importantes associadas à multiplicidade de funções que passa a desempenhar nas sociedades industriais.

Como se vê, Weber deduz da burocracia um saldo positivo: percebe-a como uma quadro organizacional poderosamente racional e cheio de funcionalidade. Assim, a burocracia é entrevista como uma alavanca imanente ao desenvolvimento das sociedades economicamente complexas. Meramente instrumental, a organização burocrática é ausente de vida própria e não prossegue objectivos seus. Existe para concretizar metas que lhe são ditadas por sujeitos sociais exteriores, privados e públicos. Por carência de propriedades sociológicas que definam autonomias ideológicas e capacidades de elaboração de fins próprios a burocracia e os burocratas não são concorrentes do poder político nem repercutem consequências significativas sobre os sistemas sociais que integram. Na mundo visão de Weber estamos longe das conclusões a que chegaram os homens que debateram o problema da burocracia inscrevendo-a no discurso da luta de classes. (continua)

Valter Guerreiro

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