quinta-feira, 3 de julho de 2008

Forças Armadas no combate ao terrorismo (II)


Texto de uma conferência que o General Loureiro dos Santos pronunciou recentemente, num seminário do OSCOT sobre Terrorismo (CONTINUAÇÃO)

ENQUADRAMENTO INSTITUCIONAL DO EMPREGO DAS FAs NO COMBATE AO TERRORISMO

A declaração dos estados de excepção implica um processo de decisão idêntico ao que exige a declaração de guerra, culminando numa declaração presidencial. Eles resultam de situações anómalas, relacionadas com catástrofes naturais e/ou ameaças que surjam no território nacional, presumivelmente de origem interna, que ponham em causa o Estado português. Situações em que se prevê a necessidade de empregar as forças armadas em operações de combate, porque a intensidade das ameaças com que as forças de segurança interna se têm de confrontar ultrapassam as suas capacidades.

Um atentado terrorista poderá configurar uma situação desta natureza? Configurando ou não, o que é certo é ser muito provável serem indispensáveis também meios militares para lhe responder.

Não apenas porque só as forças armadas dispõem de meios de combate capazes de enfrentar certas ameaças (como aviões refém agindo como mísseis e embarcações míssil, engenhos químicos, radiológicos e biológicos, etc.), mas também porque os serviços de informações podem prefigurar uma ameaça ao país, visando alvos não definidos, que exija um grau de alerta elevado. Faltando informações fiáveis sobre os alvos que serão atacados, poderá ser considerado aconselhável estender o alerta a todo o pais, o que exigirá o reforço com forças militares da segurança dos pontos sensíveis estratégicos do território português e de outros que assumirão tal natureza pelas baixas que um atentado provocaria.

Será que, em situações deste tipo, que devem ser previstas, planeadas e treinadas, é adequado a recurso a um dos estados de excepção? Em tese, sim. Em tese e na prática, porquanto não existe outro modo das forças armadas conduzirem as operações de combate que forem necessárias. Colocar forças militares a combater no interior do nosso território é de tal sensibilidade que terá de ser o Presidente da República a permiti-lo, no contexto do que a Constituição e a lei prevêem. O que só acontece com a declaração de um estado de excepção.

Contudo, podem configurar-se situações relacionadas com atentados terroristas, que se apresentem com um quadro onde haja dificuldade em aplicar um dos estados de excepção existentes. Por exemplo, a existência de um alerta que se aplique ao conjunto do território nacional, por existir a elevada probabilidade de sermos objecto de ataque, exigiria a declaração do estado de excepção a todo o país, o que poderia ser inconveniente, gerando pânico ou, com a sua continuação por algum tempo, provocando cansaço e/ou descrédito na população e o correspondente desleixo. A simples necessidade de apoiar uma força de segurança interna com uma pequena unidade militar numa acção pontual, que pode ocorrer, não parece compatível com qualquer dos estados de excepção previstos, como seria o caso da utilização de um destacamento de Infantaria em reforço de uma força de segurança interna. No entanto, em qualquer dos casos, poderiam ter de ser desencadeadas operações de combate. O que exige a autorização do Presidente.

Outra hipótese que precisa de ser considerada é a necessidade de dar cobertura legal a medidas que terão de estar planeadas de antemão e cuja concretização poderá não ser compatível com a reunião do ou dos órgãos que participam no processo de decisão Por exemplo, a autorização do abate de um avião tomado por reféns, que se prepara para se despenhar sobre um estádio de futebol repleto de gente. Ou de um navio de cruzeiro acostado num porto nacional, feito refém de um suicida, que dá um prazo curto para se fazer explodir. Muitas outras situações poderão ser configuradas, que não podem aguardar um demorado processo de decisão.

Neste caso, torna-se conveniente tomar medidas legais que agilizem os procedimentos e os tornem compatíveis com a urgência das decisões e das respostas.

Existirão duas formas de avançar nesta direcção, que, salvo melhor opinião dos peritos em direito, também exigirão alterações constitucionais.

A primeira será criar um terceiro estado de excepção que permita decidir o emprego de forças militares em combate no país, numa situação circunscrita, como pode ser um atentado terrorista. Deveria assumir uma textura idêntica aos estados de excepção já existentes, envolvendo no processo de decisão os mesmos três órgãos de soberania, mas de modo mais ágil e com uma restrição de direitos e garantias de menor grau.

A segunda seria considerar que o Presidente da República autorizaria o emprego de forças militares, através de uma missão concreta, mediante proposta do Governo, depois de obter o parecer do Conselho Superior de Defesa Nacional (integrando mais deputados dos que actualmente integra, representando proporcionalmente os partidos parlamentares, e outros membros especialistas em segurança cooptados pelo PR). Esta solução aparenta-se como a mais flexível, eficiente e de mais simples funcionamento.

Sem alterar a situação actual, terá de ser declarado um estado de excepção.

Haverá, naturalmente, uma terceira solução que passaria por deixar cair a restrição constitucional das forças armadas apenas fazerem face a “ameaças externas”, ficando com a possibilidade de serem utilizadas, simplesmente, contra “ameaças”. A meu ver, esta “liberalização” da finalidade do emprego das forças armadas não impede a necessidade do processo de decisão para as usar em operações de combate, tanto no exterior como no interior do território nacional, exigindo a participação do Governo e do Parlamento, com a palavra final a pertencer ao Presidente da República.

4. O Tratado de Lisboa inseriu, neste contexto, uma outra questão que precisará de ser resolvida. Refiro-me à cláusula de solidariedade dos membros da União Europeia contra atentados terroristas.

A cláusula de solidariedade estabelece que, se um Estado-membro for vítima de um atentado terrorista ou de uma catástrofe natural ou de origem humana, os outros Estados-membros devem prestar-lhe assistência, a pedido das autoridades políticas do Estado afectado.

Embora as regras da execução desta assistência sejam definidas pelo Conselho da União, é conveniente que Portugal estude se precisará de legislar neste sentido, prevendo o cenário hipotético de haver unidades das forças militares de um nosso parceiro da União a actuar no nosso país, num contexto de ataque terrorista de tal envergadura que nos obrigue a solicitar assistência ao abrigo da cláusula de solidariedade. No mínimo, convém prever as linhas de autoridade que vincularão essas unidades e o grau de comando que o comandante nacional sobre elas exercerá, provavelmente, comando ou controlo operacional

Também deverá ser prevista a situação constitucional em que seja enquadrada a concretização de uma eventual assistência deste tipo a um nosso parceiro, onde se apresenta como mais adequada a declaração de um estado de excepção, apesar do CSDN, com os ajustamentos que atrás propus, possa funcionar como o órgão de direcção política de comando superior dos acontecimentos.

5. Em conclusão, podemos afirmar que:

1) O emprego de unidades militares em operações de combate, pelo grau de empenhamento que representa do Estado, pelos efeitos estratégicos e políticos que produz e pelos sacrifícios e perda de vidas em que se pode traduzir, é considerado na Constituição como exigindo um processo de decisão rigoroso, envolvendo os três órgãos de soberania (Governo, AR e PR), e entregando a palavra final ao Presidente da República.

2) Constata-se contudo que são enviados contingentes para o exterior, com a finalidade de serem utilizados em combate, sem cumprir os preceitos constitucionais.

3) Verifica-se ainda que, com o aparecimento da ameaça terrorista, surgiu a possibilidade de ocorrerem situações no território nacional que exigem o emprego de forças militares em combate, para as quais o recurso a um dos dois estados de excepção previstos pode não ser totalmente satisfatório.

4) Tudo visto, é urgente tomar as medidas legais necessárias à resolução destas questões, sem o que, em momentos de grave crise, poderemos deparar com dificuldades de execução dificilmente superáveis. (FIM)


Recebido da AOFA por email

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