terça-feira, 21 de abril de 2009

TEMPO PARA FLEXIBILIZAR OS MÚSCULOS #2

O Primeiro-Ministro chinês, Wen Jiabao, recebeu a Secretária de Estado Hillary Clinton em Pequim.
Continuação do texto nº 1.
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Certamente que a China se delicia com a ideia de que o seu poder global está em crescimento. Como um diplomata ocidental pôs o problema, a reunião entre o presidente Barack Obama e o seu homólogo chinês, Hu Jintao, à margem da cimeira G20, em Londres no dia 2 de Abril, será de longe mais importante e mais consequente do que toda a cimeira do G20. A China concentrou todas as atenções políticas e mediáticas na cimeira G20, anteriormente referida, quando anunciou conceder um estímulo para a actividade económica global de 4 mil biliões de dólares que foi entregue ao Fundo Monetário Internacional (FMI) imediatamente antes da cimeira. Continuam a circular rumores de que a China tem na manga outra surpresa do mesmo tipo reservada para momento oportuno.
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Mas a China não tem por objectivo (por enquanto) retirar a América do seu poleiro. A China prefere concentrar-se em adquirir mais voz nas ribaltas internacionais para si própria e outros países em desenvolvimento no FMI, no qual os EUA têm direito de veto. Mas, aparentemente, não pretende adquirir o direito de veto para si própria. Numa conferência de imprensa no dia 13 de Março, o PM chinês, Wen Jiabao, evitou esclarecer se a China entregaria mais fundos ao FMI para reforçar a sua capacidade de enfrentar a crise financeira. O montante que a China entregar dependerá, dizem os diplomatas, da credibilidade e aceitabilidade das suas propostas pelos seus pares no FMI. Uma pista para prevermos o que acontecerá a tal respeito pode ser encontrada num artigo publicado em 17 de Março no órgão oficioso do governo, China Daily, que citava o influente economista chinês Yu Yongding como afirmando que a China não devia dar muito ao FMI porque certos países que figuravam na sua lista de países a ajudar "têm uma mentalidade anti-chinesa".
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Alguns especialistas e comentadores chineses têm uma visão mais radical de como a China devia aproveitar a actual crise para fortalecer a sua influência estratégica. Um artigo publicado recentemente na revista chinesa Economic Reference, pertencente a uma organização governamental de estudos estratégicos, dizia que a crise enfraquecerá severamente o poder económico, político, militar e diplomático dos países desenvolvidos. Esta circunstância criará uma “oportunidade histórica” para a China fortalecer as suas posições nas ribaltas internacionais. Além disso, a China deveria exportar capitais para os países do Sudeste asiático para fortalecer as suas economias. Com estes investimentos ajudaria a prevenir instabilidade política e ganharia influência política na região.(Nota minha: Na verdade, a China já está a actuar dessa maneira. Está a implantar novas manufacturas no Cambodja e no Vietname, países de mão-de-obra mais barata do que a chinesa, o que lhe dará lucros adicionais sobre as mercadorias exportadas e domínio político na região).
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No que respeita à América, o mesmo artigo sugere que os gestores chineses devem comprar empresas com o objectivo de adquirir tecnologias sofisticadas. Se o governo americano impedir estas aquisições, “o governo chinês deve usar os seus dólares amealhados para obter a concordância do governo americano com as aquisições chinesas.” Diplomatas afirmam que ouviram mesmo ameaças de funcionários de níveis mais baixos que a China deveria vender obrigações do Tesouro Americano se Washington irritar a China sobre a questão do Tibete. Um encontro entre o presidente Obama e o Dalai Lama, por exemplo, pode ser o gatilho que desencadeie um litígio. Poucos acreditam que a China possa realmente arriscar-se em tais tácticas que infligiriam danos à própria China, mas tantas ideias sugerem que os funcionários chineses estão a adquirir maior arrogância. Mas um outro facto vem confirmar que a arrogância está a aumentar também na administração central chinesa. A decisão chinesa em 18 de Março de usar a legislação antimonopólio para impedir a compra pela Coca-Cola por 2,4 mil milhões de dólares da empresa Huiyuan, uma empresa chinesa especializada na produção de sumos, é vista como uma prova dessa arrogância por certos meios de opinião americanos.
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Esta arrogância chinesa esteve igualmente em evidência durante a visita em Fevereiro à América Latina do Vice-Presidente Xi Jinping. Durante um encontro no México com chineses da diáspora, o Senhor Xi, que tem sido apontado como o provável sucessor do presidente Hu Jintao, acusou “os estrangeiros de barriga cheia de nada terem para fazer” além de “apontar o dedo à China”. O seu país, afirmou na altura o Senhor Xi, não exporta a revolução, nem a pobreza, nem o ódio ideológico, nem a instabilidade política e social, “por isso que fundamentos têm eles para falar e criticar?” Os colegas do Vice-Presidente, mais diplomáticos, pensam que estas afirmações foram longe demais, embora os websites chineses de cariz nacionalista tivessem exultado de alegria, enquanto que os jornais foram proibidos de as mencionar.
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Os líderes chineses têm sido atormentados por dúvidas sobre como evitar a aparência de que a China está hesitante no seu desígnio de chegar à economia de mercado de modelo capitalista (embora temperada com controlo do estado). Mas a sua economia tem sido muito castigada pela presente crise. Nenhum país tem a exorbitância de 20 milhões de desempregados (número completado em Março), quase todos migrantes internos oriundos de zonas rurais que trabalhavam em pequenas empresas de mão-de-obra intensiva. Neste momento, o desemprego começa a corroer os colarinhos brancos. Alguns são suspensos durante semanas, outros durante meses, outros continuam a trabalhar mas com reduções de salários. Mas os líderes chineses mantêm o optimismo, pois afirmam que a China pode crescer este ano cerca de 8%, pouco menos que os 9% do ano anterior. O Banco Mundial é menos optimista, pois prevê um crescimento de 6,5%, embora também realce que a China “é um oásis numa economia global em estagnação, ou mesmo recessão”. Mas os tempos de crescimento explosivo parecem definitivamente terminados.
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Discípulos de Adam Smith
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Através da crise, os líderes chineses têm alertado contra os perigos do proteccionismo, sabendo que o comércio com o Ocidente é vital. Para desgosto dos esquerdistas chineses, o PM, Wen Jiabao, tem repetidamente cantado louvores a Adam Smith em discursos oficiais e conferências de imprensa com jornalistas. Em Londres ele revelou ao Financial Times que trazia na sua bagagem o livro The Theory of Moral Sentiments de Adam Smith.
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Segundo o PM Wen, uma importante mensagem deste livro afirma que se os frutos do desenvolvimento económico não forem partilhados por todos será um “erro eticamente condenável”, mas também “um erro político porque constituirá uma ameaça à estabilidade social”. O PM, ao realçar este aspecto na obra de Adam Smith está apenas a manifestar que tem conhecimento dessa necessidade ética e política e que se preocupa com ela. O governo chinês, contudo, não quer que a China seja agitada pelo mesmo debate que está a afligir todos os governos ocidentais sobre como enfrentar a crise. O Congresso Nacional do Povo, o Parlamento Chinês, esteve reunido este mês por apenas nove dias em vez das habituais duas semanas. Embora a imprensa oficial quisesse detalhes da agenda dos trabalhos (preparada pelo governo) e respectivas resoluções, as informações eram escassas. Em particular, poucas eram as medidas de estímulo à economia debatidas no parlamento, embora elas custassem muitos milhões de yuan. O governo limitou-se a comunicar superficialmente que os pormenores de um programa de reforma do sistema de saúde (850 mil milhões de yuan nos próximos três anos) seriam preparados só depois das sessões do parlamento. Numa nota lacónica para colmatar as preocupações públicas, revelava-se que as despesas com projectos sociais (social welfare) seriam aumentadas de 1% para 4% do total do pacote de estímulos (ver gráfico ao lado). As despesas com infraestruturas cairiam de 45% para 38%. As despesas com projectos ambientais seriam também reduzidas de 9% para 5%. (Afinal não é só nos países Ocidentais, como os ambientalistas afirmam, que o ambiente merece pouca atenção do poder instituído).
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A esquerda chinesa tem alguns motivos para se animar. O sector empresarial do estado será o grande beneficiário das despesas de apoio à economia. Os apoiantes do movimento Bandeira de Mao estão ainda em grande irritação devido ao desmantelamento de muitas empresas do estado há uma década. Mas os economistas da corrente liberal condenam que os bancos do estado e as empresas estatais dividam entre si os despojos, deixando à margem as pequenas e médias empresas privadas. Eles também temem que as reformas possam ser travadas em qualquer momento.
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O Instituto para a Reforma e Desenvolvimento, hoje um importante teorizador das reformas liberais na economia chinesa, publicou recentemente um relatório de 171 páginas intitulado “A Crise Financeira Internacional Desafia as Reformas na China”. Esse relatório descreve a presente crise como o mais grave problema que o país enfrentou na sua história de 30 anos de reformas económicas e de abertura ao exterior. E de facto o país já enfrentou alguns graves problemas, como as manifestações de Tiananmen em 1989 e o período imediatamente subsequente, a crise financeira asiática de 1997-98 e a reestruturação do sector empresarial do estado que atirou milhões de pessoas para o desemprego.
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O mesmo relatório afirma que sem mais reformas orientadas no sentido de criar uma economia de mercado, os gastos de estímulo à economia não só serão inúteis como criarão novas dificuldades a médio/longo prazo. A necessitar de mudanças estão os preços controlados pelo estado da água e da electricidade e os monopólios estatais das telecomunicações, dos caminhos-de-ferro, dos transportes de mercadorias, da distribuição de bens de consumo e dos transportes aéreos. E apela a imediatas reformas no sector financeiro, outro monopólio estatal, com a criação de instituições financeiras não estatais, liberalização das taxas de juro e criar um regime flutuante para a moeda.
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No dia 13 de Março, quando tinham terminado os trabalhos parlamentares, o PM disse que “a China continuaria com as reformas” para lutar contra a crise. A China deverá “dar plena liberdade às forças de mercado na mobilização e criação de recursos” e deverá encorajar o desenvolvimento do sector privado. Deverá igualmente, segundo disse, continuar as reformas políticas com vista a “garantir ao povo liberdade e direitos”. Mas a crise económica não deve ter aumentado o apetite dos funcionários de todos os níveis para mudanças. Muitos pensarão que o papel do estado na economia não deverá limitar-se só à propriedade dos bancos, e que o sistema pluripartidário em vez de uma ajuda será um grande obstáculo.
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Muito provavelmente, à medida que a crise aumente, o governo tornar-se-á cada vez mais cauteloso na sua política interna. Se o proteccionismo se manifestar nos países ocidentais, hipótese pouco provável mas possível, a agressividade dos nacionalistas tornar-se-á mais visível e mais exigente para que o governo chinês os enfrente e retalie. Um livro publicado na China este mês, “A China Infeliz”, com uma primeira edição de 70 000 exemplares, segundo a editora, tem por objectivo expor o descontentamento público chinês contra o Ocidente. Um dos capítulos do livro é dedicado à tese de que a crise financeira poderá resultar no invejoso Ocidente declarar guerra à China para a manter subserviente.
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Poucos serão tão extremistas. Um dos autores do livro, num encontro num café da cadeia Starbucks num luxuoso centro comercial de Pequim, justificou esta tese ter sido incluída no livro por causa das preocupações do governo com livros sobre teses políticas ou económicas porque eles [os livros] são utilizados no Ocidente para alimentar a tese de que a China é uma ameaça para o Ocidente. Os editores retiraram a parte do livro que mencionava a anexação pela China da região do Sikkim em 1975 porque pensaram que poderia aborrecer a Índia.


O Presidente chinês, Hu Jintao, recebe a Secretária de Estado da nova administração americana, Hillary Clinton, em Pequim.
The Economist

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