sexta-feira, 17 de abril de 2009

Ponte para a vergonha...

O Estado português não tratou de garantir a segurança de uma ponte situada num pedaço de terra que metade do país não sabia localizar no mapa; essa mesma ponte caiu, arrastando para o fundo do Douro 59 homens, mulheres e crianças; Jorge Coelho, o ministro que tutelava as Obras Públicas na ocasião, demitiu-se; as famílias enlutadas entrepuseram um processo judicial contra uma das partes do problema (no caso, quatro engenheiros da ex-Junta Autónoma de Estradas e dois de uma empresa projectista), convictas de que o sentimento de justiça seria a única forma de se verem reconfortadas pelas perdas.
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Mas ninguém foi responsabilizado criminalmente pelo maior acidente rodoviário, em número de mortos, alguma vez ocorrido em Portugal. E a culpa transformou-se, de novo, numa entidade esotérica, sem rosto nem expressão, que se esfarela no despacho de um colectivo de juízes.
Não satisfeito, o sistema judicial português decidiu que a ferida não estava suficientemente em carne viva e mandou a conta do processo para as famílias: 57 mil euros a dividir por 100, de acordo com o Tribunal de Castelo de Paiva.
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Lidar com a absolvição e a culpa quando somos atirados ao chão por uma tragédia que nos muda radicalmente a vida, ainda por cima uma tragédia imputada a terceiros que podia ter sido evitada, não é para todos os estômagos. Mas lidar com isto e ainda por cima ser presenteado com uma notificação do tribunal para pagar as custas judiciais do processo é esticar ao limite o conceito do absurdo.
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Porém, como ontem bem observava o bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto, "a lei não é negociável". Portanto, qualquer cidadão que se sirva da justiça tem de pagar por isso. Dura lex, sed lex.
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Mas decisões como estas não podem - não devem - ser tomadas apenas tendo como premissa o estrito cumprimento das normas, do "proceda-se em conformidade".
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Sobretudo porque o que arrisca ficar para a posteridade é a ideia perversa de que os únicos culpados da tragédia de Entre-os-Rios são as vítimas: as que tiveram o infortúnio de ir a atravessar a ponte naquele dia e àquela hora e as que ficaram nas margens a chorá-las. A não ser que o espírito da decência baixe sobre a cabeça de quem pode anular uma aberração que projecta para o país a imagem de uma justiça que, de querer ser tão ciosa dos seus códigos e preâmbulos, se ridiculariza, evidenciando alguns dos tiques que lhe são apontados há anos: sobranceria, prepotência e até alguma alienação.
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É certo que a função da justiça não é ser pedagógica. Mas sim avaliar as provas e decidir com base nos factos. Agora, não custa nada à justiça que é aplicada pelos homens mostrar, ainda que de vez em quando, que é mesmo humana.
Pedro Ivo Carvalho
in JN

1 comentário:

Blimunda disse...

O maior premiado neste processo macabro foi o ex-ministro das Obras Públicas de então, que hoje é nem mais nem menos presidente de uma das maiores empresas da construção civil privada. Tenham maneiras e algum decoro!