A associação de uma visão “mágica” do universo com os poderes “místicos” do Estado, sobrevivem até hoje, nas formulações teóricas e nas organizações sociais e políticas do mundo contemporâneo.
De onde surgiu a crença nos poderes quase ilimitados do Estado? Por que em quase todas as teorias políticas e sociais, se atribui ao governo um papel muito maior do que ele pode de fato representar? As raízes dessas crenças se perdem na origem das civilizações.
O homem primitivo, logo percebeu as vantagens de se associar em grupos, para obter vantagens na competição, então mais ou menos equilibrada, com os outros animais. O homem não foi o único a descobrir isso é claro. Muitos animais, além de se associar em bandos, também sabem utilizar as habilidades diferentes de seus membros, de modo a maximizar seus esforços.
Os leões, por exemplo, não caçam, guardam sua energia apenas para enfrentar uma grande ameaça ou outro leão que o desafie. As leoas formam grupos de caça que se posicionam em vários “postos” ao longo das rotas de fugas das presas. A caça é então perseguida por uma sucessão de leoas que vão substituindo as que se cansam. As mais rápidas ficam nos “postos” finais da trilha, e são elas que finalmente abatem a presa.
É um sistema engenhoso e depende de uma organização razoável do grupo. Caçadores humanos adoptam práticas muito mais elaboradas. Mas esses grupos têm uma limitação clara: Não podem ser maiores do que um determinado número de indivíduos, sob pena de combaterem uns contra os outros, por não se conhecerem.
Só os homens são capazes de reunir grupos com um número de indivíduos tal que eles nem ao menos se conhecem individualmente. Apenas se identificam por sinais como pinturas na pele, marcas feitas deliberadamente no corpo, vestimentas, insígnias, etc. Isso é de fato, a base das civilizações.
Sabemos que quanto mais complexo é uma civilização, menor é a liberdade de que dispõe cada indivíduo. Então por que em alguns momentos históricos, os seres humanos preferiram se reunir em grupos de milhares de indivíduos? É simples, porque da mesma maneira que a união de indivíduos multiplica muito seu potencial, a união de vários grupos multiplica por um factor gigantesco esses potenciais.
Uma tribo de índios tem um limitado controlo sobre o seu meio ambiente. Uma civilização pode modifica-lo a seu gosto. Pode construir canais de irrigação, pontes, barragens, fortificações estáveis, estoques permanentes de alimentos, etc. Também pode derrotar qualquer tribo, obtendo escravos e despojos valiosos.
Mas para que essas realizações sejam viáveis, é preciso que surja uma espécie de “alienação voluntária” por parte de cada indivíduo que dela participa. Numa guerra, por exemplo, não lutarão mais por sua família ou clã e nem por seus bens pessoais. Terão de arriscar a vida por um “conceito”. Em compensação, devem acreditar, sem hesitação, na validade desse conceito e por extensão, na racionalidade do risco assumido.
Com o objectivo de fornecer essa justificativa para um ato, que de outra maneira pareceria absurdo, criou-se à ideia da infalibilidade do Estado. Isso vale também para o pagamento de impostos, a prestação de serviços compulsórios a comunidade, a obediência a regulamentos aparentemente sem nexo, etc.
Nos impérios do passado, o chefe supremo, o indivíduo que encarnava o poder do Estado, era sempre um deus ou no mínimo o “filho” dele. A ideia era que ele podia controlar a própria natureza. Os faraós mandavam “açoitar” o rio Nilo com correntes, quando havia enchentes catastróficas. O imperador da China “sustentava” a abóbada
celeste.
Exagero à parte, a crença nos poderes infinitos do Estado, sobreviveu às novas culturas mais cépticas, como a dos gregos e romanos. Mas só no que se refere aos poderes divinos dos imperadores e monarcas. A ideia de que o Estado em si é omnipotente, raras vezes foi contestada.
Quando uma grande catástrofe, como a fome ou as epidemias, parecia desmentir isso, atribuía-se aos deuses e seu suposto descontentamento com algum procedimento individual ou colectivo. Nesse caso a solução eram sacrifícios e punições de carácter mágico e/ou ritualísticos.
Na “era da razão”, reis, imperadores e sacerdotes, perderam definitivamente seu carácter sobrenatural. Mas várias outras crenças surgiram para manter o poder místico do Estado. O líder predestinado, os geniais guias de povos, os grandes timoneiros, embora humanos, lideravam uma estrutura a qual, na prática, se atribuíam poderes mágicos.
O surgimento de pessoas que contestavam essa lógica, sempre foi recebido com hostilidade. O motivo é que, mesmo em um regime democrático e laico, o poder “místico” do Estado se mantém como uma crença religiosa.
Basta observarmos o comportamento de qualquer cidadão, de qualquer país onde as instituições do governo funcionam. Se acontecer alguma coisa errada, a culpa é de algum funcionário ou alguma autoridade, incompetente para fazer chegar o poder do Estado ao lugar certo na hora certa.
Se há seca, é porque o governo não providenciou irrigação. Se há uma inundação, é porque o departamento encarregado não fez as obras devidas. Se há crime, a culpa é das autoridades policiais. Se há mendigos, é porque os políticos não cuidam dos problemas sociais como deviam.
Nada escapa a jurisdição do Estado, nada acontece sem que algum de seus agentes saiba e, em sabendo, sempre há providencias que podem e devem ser tomadas. De todas as crenças mágicas, a crença na omnipotência e na omnisciência do Estado, equiparando-o a divindade, é a única que ainda persiste, mesmo entre os povos mais adiantados.
A consequência disso é a enorme dificuldade de se evitar o crescimento desmesurado dos órgãos de governo. Ao contrário da crença dos economistas liberais, mesmo os agentes económicos mais empreendedores, desejam o poder do Estado presente ao seu lado.
Todos reclamamos dos impostos, da burocracia, dos desperdícios do governo, mas ninguém abre mão da actuação do Estado onde ele supostamente deve agir, ou seja onde nosso próprio interesse está em jogo.
Nesse caso, existiria uma “cura” para a dependência em relação ao Estado. Algo como uma vacina que livrasse todo o povo dessa ilusão colectiva? Os anarquistas propunham eliminar o Estado pura e simplesmente. Nem foram levados a sério.
Os liberais e neoliberais querem que ele seja pelo menos “mínimo”. Não conseguem nem em países claramente falidos. Talvez a engenharia genética descubra alguma solução no futuro...
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terça-feira, 21 de abril de 2009
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