As verdadeiras 7 maravilhas de origem portuguesa no mundo
“Mais maravilhas? Mas isso não está já a cheirar mal?”, pergunta o cidadão comum, esclarecido e de gosto refinado, enquanto limpa a cavidade nasal com o indicador e emborca mais uma imperial. Com efeito, assim é. Desde que mentes brilhantes internacionais decidiram promover a eleição das novas 7 maravilhas do mundo por voto telefónico (se tivéssemos mais uns milhões de habitantes, até lá conseguíamos enfiar o Centro Comercial Colombo), houve mentes igualmente brilhantes, mas de formação nacional, a decidir capitalizar a euforia que não chegou a existir, promovendo a eleição simultânea de outras tantas maravilhas de Portugal. O mesmo brilhantismo precisou de dois anos para engendrar nova iniciativa: as 7 maravilhas de origem portuguesa no mundo. Rebuscado? Por comparação com as 7 maravilhas de origem mundial em Portugal (que virão a seguir) é até bastante simples e evidente. Mas há algo que não está bem. Olhando a lista de 27 “maravilhas” em votação, verficamos que, das 27, 11 são igrejas, conventos, santuários, mosteiros, basílicas e catedrais, dez são fortes e fortalezas e 5 são centros históricos de cidades coloniais, acrescentando-se ainda a Ilha de Moçambique. Espera-se que isto impressione? A Ilha de Moçambique impressiona realmente e muitos desconhecerão que o poderio dos portugueses das Descobertas lhes permitia erguer ilhas sobre o oceano, mas o resto não. O que diz esta lista da presença histórica portuguesa no mundo? Diz que os nossos antepassados, que nos habituámos a ver como heróicos, faziam duas coisas: rezavam e batiam nas pessoas. Possivelmente, em simultâneo ou com uma relação de causa-efeito. Nos intervalos das rezas e da violência, refugiavam-se em recantos urbanos construídos para recordar a terrinha e com a preocupação de serem “centros”. Para periferia já bastava a pátria distante. Existem realmente maravilhas de origem portuguesa no mundo, mas não são estas. Estas são apenas postais bonitos ou amontoados de pedras mal amanhados que algum historiador decidiu forçar a organização a incluir na lista para conferir rigor à coisa. Não revelam nada do que é ser português e são apenas paredes. As maravilhas portuguesas no mundo que verdadeiramente interessam e que verdadeiramente revelam a nossa essência mais profunda são estas:
1 - A escravatura moderna
É verdade. Foram os portugueses a ressuscitar para a modernidade europeia um hábito desagradável há muito caído em desuso. Não contentes em negociar com nativos das novas terras africanas o marfim, o ouro e a especiaria, os nossos decidiram que seria ainda mais proveitoso se pudessem vender também os próprios parceiros de negócio. Também é verdade que fomos um dos primeiros países a abolir o tráfego humano, mas apenas depois de muitos séculos de lucro e de multidões transportadas contra sua vontade no porão de navios. É um pouco como ouvir um assassino em série com dezenas de vítimas no cadastro proclamar a santidade da vida humana. O argumento não perde validade por isso, mas fica sempre aquele travo amargo na boca e fica por exteriorizar um “mas que grande lata”.
2 - O emigrante
Portugal não é a única nação de emigrantes, mas os nossos emigrantes são especiais. Não se limitam a deixar o país em busca de melhores condições de vida, criando toda uma filosofia à sua volta. O emigrante português não deseja regressar a casa em permanêcia. Pode voltar, eventualmente, mas apenas por motivos de força maior. A sua maior ambição é fazer visitas passageiras, sobretudo no Verão ou durante quadras festivas, para, em primeiro lugar, partilhar com os conterrâneos que ficaram que o seu país de acolhimento é mil vezes superior a Portugal em qualquer aspecto e, depois, para matar saudades de entes queridos, de preferência ao volante de um Mercedes alugado em segredo e com palavras de afecto entrecortadas pelos termos estrangeiros que vão conseguindo pronunciar com maior ou menor improviso. Concluído o ritual, o emigrante regressa ao país onde reside e, aí, o seu patriotismo torna-se absoluto e alimenta um amor cego a Portugal que não tolera a mínima crítica. Contraditório? Não, senhor. Genuíno!
3 - O político penetra
Num país desprovido há séculos de qualquer relevância geopolítica ou económica, não admira que os políticos sintam um especial prazer pelo convívio com os seus congéneres de estados menos dependentes de êxitos futebolísticos, queda de pontes ou desaparecimento de crianças estrangeiras para serem referidos na CNN. E é vê-los a entregarem-se de alma e corpo a manifestações efusivas de júbilo por serem dignos de segundos de atenção ou de um abraço de Sarkozy, Merkel ou Zapatero, mesmo que estes, muitas vezes, não os reconheçam, sabendo apenas tratar-se de alguém de um daqueles países confusos do Sul da Europa. Vê-se o orgulho inflado de serem recebidos por um Berlusconi ou de receberem um postal natalício de um Obama. Nota-se até que nem nas muitas vezes em que os seus apertos de mão ficam suspensos no ar sem correspondência, ou quando um governante demasiado ocupado lhes volta a cara para se dirigir a quem realmente interessa, isso os magoa. Porque sabem que estão ali, no centro de tudo. Mesmo que seja só para fazer número.
4 - O novo conceito de pontualidade
Quem em Portugal nunca calculou mentalmente qual a hora mais adequada para comparecer a um encontro marcado para as “quatro e picos” ou “por volta das onze”? E quem em Portugal nunca concluiu que a hora mais adequada seria às 17:10 (para o encontro das “quatro e picos”) e às 11:47 (para o encontro “por volta das onze”). Depois, tenta-se explicar a um europeu à séria como funciona, habitualmente como justificação para um atraso de três quartos de hora, e não há quem entenda. Porque nós temos um dom especial e único. É essa a razão.
5 - O subsidiado profissional
Quem acreditar que os subsídios ou ajudas económicas se destinam a dar impulsos iniciais ou ajudas passageiras, não passou tempo suficiente embrenhado na realidade portuguesa. O afamado espírito de iniciativa português, alicerçado por uma longa cultura de esmolas, cunhas e caridadezinhas consegue pegar numa situação de último recurso que, para muitos, seria motivo de algum embaraço, transformando-a numa forma de vida plena realização pessoal.
6 - O desenrascanço
Recentemente louvada internacionalmente como uma das palavras que mais falta fazem à língua inglesa, a instituição portuguesa do desenrascanço não tem apenas as conotações positivas que lhe foram reconhecidas. O seu lado negro, assombrado por obras concluídas vinte segundos antes da sua abertura ao público e por pedidos a um grande amigo/familiar querido para facilitar um qualquer processo burocrático, é bem conhecido e serve de contrapeso perfeito aos aspectos positivos da improvisação e da capacidade para superar dificuldades à MacGyver.
7 - Os fenómenos de popularidade instantânea
No resto do mundo, para que algo seja popular, há todo um processo a seguir. Primeiro vem o lançamento, seguindo-se a divulgação, depois a aceitação e, por último, a consagração. Em Portugal, apesar do que se disse acima acerca da pontualidade, há pelo menos uma coisa em que não gostamos de perder tempo. E, por isso, passamos directamente do lançamento à consagração. Mas não de forma linear. Muitas vezes, a consagração dá-se antes do lançamento, sendo inúmeros os casos de discos que já são de platina à saida da editora, de livros que já são best-seller antes de os primeiros exemplares chegarem às livrarias ou de iniciativas mediáticas arbitrárias que já têm longos pergaminhos na sua primeira edição. Para muitos, isto poderá não fazer qualquer sentido, mas os portugueses facilmente abdicam do juízo próprio se houver alguma alma caridosa a disponibilizar-se para nos explicar aquilo que apreciamos e aquilo que queremos. Facilita-nos a vida e nós somos gente que não aprecia complicações.
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