sábado, 31 de janeiro de 2009

O problema com a soja

Há cinquenta anos nenhuma cultura do mundo comia soja. Então, nos Estados Unidos começou a ser colocada em 70% dos alimentos industriais. Actualmente, está em 60% de todos os alimentos processados. A promoção do uso alimentar da soja é uma enorme experiência apoiada por 13 mil milhões de dólares em subsídios do governo norte-americano entre 1998 e 2004 e por 80 milhões de dólares ao ano da indústria desse país. Como resultado deste experimento da natureza, a cultura e a saúde das pessoas estão a ser destruídas. A humanidade nutriu¬ se através da sua evolução com mais de 80 mil plantas comestíveis, e com cerca de três mil delas de forma constante. Actualmente depende de apenas oito cultivos para fornecerem 75% dos alimentos no mundo.

Em 1988, o óleo comestível autóctone da Índia, feito com semente de mostarda, polpa de coco, linhaça e amendoim, tudo isso processado a frio em moinhos artesanais, foi proibido com a desculpa de proteger a “segurança alimentar”. Simultaneamente, foram levantadas as restrições para a importação de óleo de soja, o que ameaçou os meios de vida de dez milhões de agricultores. Foram fechados um milhão de moinhos de óleo. Mais de 20 agricultores perderam a vida quando protestavam contra o dumping da soja no mercado indiano, que havia provocado uma baixa acentuada dos preços do óleo e cultivos locais. E milhões de toneladas de óleo de soja geneticamente modificada vendido a preços artificialmente baratos continuaram a inundar o mercado indiano.

As mesmas companhias responsáveis pelo dumping da soja na Índia – Cargill e ADM – estão a destruir amplos sectores da região amazónica para plantar soja. Milhões de hectares de selva tropical estão a ser queimados para receber esse cultivo destinado à exportação. Enquanto as pessoas no Brasil e na Índia vêem como são ameaçados os seus meios de vida pelo fomento da monocultura que beneficia as grandes agro¬¬empresas, as pessoas nos Estados Unidos e na Europa também sofrem indirectamente uma ameaça, pelo facto de 80% da soja ser destinado à alimentação do gado para obter carne barata, o que destrói tanto a selva pluvial do Amazonas quanto a saúde das pessoas nos países ricos. A soja tem um alto nível de isoflavonas e de fitoestrógenos, o que produz desequilíbrios hormonais nos seres humanos. As monoculturas afectam tanto os subalimentados quanto os superalimentados.

Mil milhões de pessoas carecem de alimentos suficientes porque as monoculturas industriais tiram os seus meios de vida na agricultura. Além disso, 1,7 mil milhões sofrem de obesidade e doenças vinculadas com a alimentação. Ao depender de monoculturas, o sistema alimentar torna¬ se cada vez mais dependente dos combustíveis de origem fóssil utilizados nos fertilizantes sintéticos, no funcionamento de grandes máquinas e no transporte a longa distâncias. Ir além das monoculturas transformou¬ se num imperativo para equilibrar o sistema alimentar mundial. As pequenas propriedades produtoras com diversidade biológica têm uma produtividade mais alta e geram maior renda para os agricultores. E as dietas com produtos de cultivos biodiversos proporcionam melhor nutrição.

O controle das grandes corporações empresariais sobre a agricultura mundial leva à monocultura. A liberdade alimentar dos cidadãos depende da biodiversidade. A liberdade humana e a liberdade de outras espécies reforçam¬ se mutuamente, e não ao contrário. Nos nossos tempos a soja converteu¬ se num símbolo de uma economia que destrói a natureza e as culturas autóctones. Simboliza o afastamento da natureza e dos nossos próprios corpos. Simboliza cobiça e controle. Através da soja, as corporações globais como Monsanto, Cargill e ADM apoderam¬ se do controle das terras e da biodiversidade. A Monsanto tem uma longa série de patentes sobre a soja modificada geneticamente.

Não estamos apenas a perder o Amazonas, que pode desaparecer em 2080 se continuarem os actuais níveis de desmatamento, segundo o dr. Philip Fearnside, mas estamos também a destruir o clima do planeta. O Amazonas é o pulmão e o coração da Terra. Além de fazer baixar o nível de carbono na atmosfera, ajuda a melhorar o clima e a acrescentar humidade aos ventos alísios. À medida que as florestas desaparecem, reduz¬ se a humidade e aumentam as secas. Na seca de 2005, os níveis do Rio Amazonas, que normalmente podem cair entre 30 e 40 pés, baixaram 51 pés. Em um ponto do rio, no Acre, o seu leito podia ser cruzado a pé.

Ao “devorar” o Amazonas para obter carne barata e soja barata, as corporações agrocomerciais, como a Cargill, estão, de facto, a “devorar” o planeta. Se queremos evitar uma total catástrofe ecológica e humana, precisamos abandonar o primitivo modelo económico de acúmulo, que destrói e consome para criar “crescimento”. E somente as culturas autóctones podem ensinar¬ nos como viver de forma diferente, de modo que as diversas espécies e as diversas culturas possam florescer no nosso planeta.
Vandana Shiva
IPS/Envolverde
http://infoalternativa.org/autores/shiva/shiva006.htm

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