quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

As cinco faces de Sócrates...

Já está disponível online a Moção de José Sócrates ao Congresso do Partido Socialista. Este documento dá início à encenação, através da qual o PS partirá em busca do apoio perdido à sua esquerda. Para começar, a coisa não está muito convincente. Sócrates fala do momento político, ora como governo, exaltando a obra, ora como oposição, clamando por uma mudança de rumo.
A moção é, de resto, um excelente retrato de Sócrates, da sua governação e do seu discurso. Está lá tudo:
1. O vácuo - Consta que a moção não foi escrita por Sócrates. Mas parece. O documento está repleto de declarações de intenções e de palavras-chave, como "socialismo democrático", "sensibilidade social", "estado social".
Quanto mais evidente é a deriva ideológica, mais veemente é a reafirmação desses princípios, devidamente extirpados de qualquer conteúdo concreto.
A Moção denuncia a falência das políticas neo-liberais e afirma mesmo que "nada poderá ser como dantes", mas não entra em grande detalhe sobre as políticas que são agora necessárias e porque é que não eram correctas antes da crise.
2. A propaganda - A Moção de José Sócrates é a continuação da política do governo por outros meios. O balanço da governação resume-se a um elencar dos vários programas e siglas que o executivo foi inventando.
Sobre as opções privatizadoras na educação e na saúde ou as escolhas em torno do Código do Trabalho, nenhum balanço crítico. Fez-se o que havia a fazer, e quem protestou não pertence ao que é descrito como o "Sindicalismo Democrático".
O texto não se detém perante nenhuma contradição, por mais flagrante, entre as afirmações e a realidade social e governativa dos últimos anos.
3. O descaramento - O Sexto parágrafo começa com a seguinte frase "Esta crise não pode ser resolvida recorrendo aos princípios, às práticas e às políticas que a provocaram. Nada deve ficar como dantes".
Não, não é o início de uma auto-crítica. Aliás, quase tudo o que é proposto a este nível é do âmbito das instituições europeias e internacionais. A intervenção no plano nacional limita-se ao salvamento de "depósitos, seguros e pensões" (e fortunas, no caso do BPP), em "condições rigorosas de responsabilização de gestores e accionistas"(!).
No rescaldo da "intervenção pública" sobre o BPP e o BPN, a declaração é quase obscena.
4. O ataque - Numa moção apresentada por José Sócrates, não podiam faltar os ataques à esquerda. Ausência de proposta, demagogia ou irresponsabilidade, são alguns dos epítetos mais utilizados. A ausência de proposta é uma crítica particularmente infeliz, na medida em que a área da regulação e da política económica e outras áreas centrais do documento são daquelas em que o governo foi mais criticado e mais propostas foram apresentadas e chumbadas.
5. A amnésia - O documento retoma a linha do aproveitamento da crise financeira mundial. Tudo estava bem encaminhado até à crise que ocorreu há alguns meses.
Os autores fazem por esquecer e fazer esquecer a evolução dos indicadores económicos e sociais, bem anterior à crise. E falam das políticas dominantes, como se em Portugal ou na Europa as tivessem andado a contestar.
O Primeiro-Ministro de Portugal, que governa com maioria absoluta há mais de três anos, fala como se tudo lhe tivesse acontecido e tivesse andado a remar contra a maré. Talvez seja por isso que uma das palavras utilizadas em todo o documento, o seja em jeito de compensação: "Responsabilidade". Pois.
José Guilherme Gusmão
in Esquerda. Net

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