sábado, 10 de janeiro de 2009

DA HOMOSSEXUALIDADE E TRANSEXUALIDADE

O Papa Bento XVI apelou, antes do Natal, em discurso na Cúria, a uma «ecologia do homem», mais necessária do que «As florestas tropicais merecem a nossa protecção. Mas os homens não merecem menos do que isso», frisou, aludindo à homossexualidade e à transexualidade.
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No discurso de balanço da Cúria à administração central do Vaticano, na Sala Clementina do Palácio Apostólico do Vaticano, Bento XVI defendeu que a Igreja, além da natureza, «também deve proteger o homem da destruição de si próprio», referindo que os comportamentos que vão além das relações heterossexuais são «a destruição do trabalho de Deus» (os sublinhados são meus).
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O Papa afirmou a determinada altura: «Não é metafísica superada se a Igreja fala da natureza do ser humano como homem e mulher e pede que esta ordem da criação seja respeitada», afirmou o Sumo Pontífice, defendendo o direito de a Igreja «falar sobre a natureza humana como homem e mulher, e pedir que esta ordem da criação seja respeitada».
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O líder dos católicos criticou as teorias do género que se impuseram nas ciências sociais na Europa e nos EUA e estabelecem uma diferença entre a pertença a um determinado sexo, a identidade biológica, e o papel que a sociedade atribui aos indivíduos, a forma como cada um vive. São, segundo o Papa, teorias que aceitam a homossexualidade e a transexualidade e, assim, afastam os homens da "obra do criador"».
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As declarações de Bento XVI acontecem após a recusa do Vaticano de se associar à petição pela descriminalização universal da homossexualidade lançada no dia 18 de Dezembro por 66 países na ONU.Em Outubro um alto responsável da Igreja Católica classificou a homossexualidade como «um desvio, uma irregularidade, uma ferida».
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Temo que o Papa Bento XVI esteja a regressar a doutrinas que eu pensava estarem há muito esclarecidas e portanto “arrumadas” na prateleira dos assuntos “RESOLVIDOS”. Temo também que o Papa esteja a revelar um ideário conservador e ultrapassado quando lido e interpretado pelo conhecimento do cidadão médio do Século XXI. Este aspecto é particularmente grave, pois os fiéis, ao ouvi-lo, podem achar chocante que o Papa, a quem era atribuída uma sólida formação intelectual, se mostre tão desactualizado e tão primário em certas matérias.
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É do senso comum que o homossexualismo é tão velho como o próprio Homem. O cidadão comum de hoje tem perfeito conhecimento de crónicas antigas - dos persas, dos gregos, dos romanos - em que se relatam os relacionamentos homossexuais admitidos nas respectivas sociedades, quer permanentes quer fortuitos. Acresce que relacionamentos homossexuais foram observados entre quase todas as espécies de animais, com ênfase particular para os mamíferos, talvez por serem animais mais acessíveis à observação. Para nós, humanos, assume particular relevância as manifestações de homossexualismo entre os primatas superiores, onde elas acontecem quase com a mesma incidência com que existem nos humanos. Nestes, o homossexualismo conduz quase sempre a contactos sexuais dos seres do mesmo sexo, o que nem sempre se verifica nas outras espécies de mamíferos e nas aves.
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A transexualidade, a que Bento XVI também se refere, é uma anomalia sexual de natureza diferente. Segundo estudos recentes, para colocar uma definição simplificada, trata-se de uma dissonância entre o sexo físico do ser, seja ele homem ou mulher, e o “sexo” do cérebro.
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Suponhamos o caso de um homem. Esta anomalia no homem manifesta-se por uma impossibilidade de este homem viver afectos, pensar e agir como homem porque ele age e pensa permanentemente como mulher e vê-se como mulher. A pessoa com este sintoma detesta o seu sexo, sente-se mal na sua pele, é torturado se necessita de assumir o sexo de que é portador porque não o sente como seu. Em compensação, sente-se mais tranquilo e mais seguro de si se adoptar os sinais do sexo contrário no vestir e na composição da sua imagem visual. O viver de acordo com o sexo físico é de tal forma insuportável que algumas destas pessoas mergulham na depressão crónica e, não raro, tentam o suicídio como solução. A ciência actual diagnosticou estes casos com tanta clareza que conseguiu que os serviços de saúde dos países desenvolvidos reconhecessem o problema e criassem linhas completas de tratamento dentro dos respectivos sistemas de saúde. O tratamento a que se recorre nestes casos é a mudança de sexo, com a intenção de dar à pessoa a possibilidade de se compatibilizar com o seu sexo físico e de melhorar a sua qualidade de vida.
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Apenas concordo com uma afirmação do alto responsável da Igreja Católica, referido na notícia, que classificou estes sintomas como “um desvio, uma irregularidade”. De facto são-no, mas apenas do ponto de vista estatístico. São um “desvio” ou uma “irregularidade” porque são uma minoria. Mas do ponto de vista humano, são casos tão naturais e tão legítimos como quaisquer outros casos minoritários, sendo, portanto, igualmente dignos de respeito e de consideração como outros casos de erros da natureza dos quais os portadores não são culpados, sejam eles os portadores do síndrome de Downs (de John Langdon-Downs, vulgo mongolismo), ou da “Doença Azul” (mistura dos sangues venoso e arterial devida a má formação do coração), ou de qualquer outra deficiência congénita. As mais recentes descobertas científicas concluíram que a homossexualidade e a transexualidade tem origem genética porque as suas manifestações dependem das proteínas que cada um de nós tem (ou não tem) no cérebro. As suas causas são tão naturais como quase tudo o que escapa à nossa vontade, como a artrite, a artrite reumatóide, a escoliose, a deficiência renal, a leucemia, o cancro da mama e todas as doenças de degenerescência associadas ao envelhecimento. Todas elas são “desvios, ou irregularidades” da natureza. Todas elas, por uma razão ou outra, alteram, ou traem, a “Ordem da Criação”.
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Mas, de acordo com a ideia subjacente às afirmações de Bento XVI, a Natureza é o melhor do trabalho de Deus. Logo, temos de concluir que Deus fez uma obra imperfeita. Todos os cancros são manifestações claras dessa imperfeição, dessa obra mal feita. É uma contradição radical que a chave da vida contenha em si a possibilidade de gerar erros que conduzam à morte. A enormidade deste erro só é comparável ao erro grosseiro de colocar homens na Terra para que “aprendessem a adorar Deus perante a magnificência da Sua obra”, para mais tarde destruir a Terra e os homens com a morte do Sol.
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Portanto, na minha opinião, teria sido melhor que Bento XVI tivesse dedicado o seu discurso na Cúria a justificar aos homens as razões por que Deus fez obra tão imperfeita que parece desmentir a Sua omnisciência e a Sua infinita misericórdia. Esta atitude, porem, só seria possível se Bento XVI fosse um servidor de Deus verdadeiramente perfeito e humilde. Sê-lo-à?

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