quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

DURÁVEL, ESTÁVEL, MAS NÃO FIÁVEL

O euro comemorou 10 anos de vida no dia 1 de Janeiro de 2009. Para celebrar a efeméride, a revista The Economist recordou recentemente a entrevista publicada em 1999 no Financial Times a Paul Volcker onde este notava pontos de semelhança entre o mercado global de capitais e um vasto mar que sofre de ocasionais tempestades. Volcker, um ex-presidente da Federal Reserve e agora um dos conselheiros de Barack Obama, recomendava que quando as águas se tornam agitadas era muito mais seguro embarcar num navio grande. Um majestoso paquete pode navegar serenamente através da tempestade que poderia virar de quilha para o ar um pequeno barco por muito estável que este fosse.
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Realmente, é oportuno recordar esta entrevista, porque Volcker falava poucos meses depois do colapso do banco tailandês Thai baht dar início à grande crise financeira asiática, e alguns meses antes do lançamento do euro, ao qual o entrevistado se referiu com algumas reservas. Uma década depois, o euro demonstrou a vantagem do tamanho para navegar em águas revoltas. Enquanto as pequenas economias são sacudidas pelas tempestades financeiras que se seguiram ao colapso do banco Lehman Brothers em Setembro (Islândia, Irlanda, Dinamarca, por exemplo), as moedas com dimensão global, como o euro e o dólar, eram as mais estáveis.
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O que se pode dizer, após esta primeira década de vida, é que o euro atravessou vários testes de resistência. As previsões de que a zona euro não sobreviveria mais do que dois ou três anos mostraram-se infundadas. Nem o euro é uma moeda fraca, como alguns temeram, principalmente os eurocépticos ingleses. A gestão monetária exercida pelo Banco Central Europeu (BCE), embora decalcada da política monetária do Banco Federal Alemão, tem dado melhores resultados do que a versão original em termos de baixa inflação.
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Do ponto de vista da estabilidade económica, o euro tem sido um evidente sucesso. Se alguma causa de desapontamento existe é apenas a de que, embora seja estável e fiável, não tem proporcionado crescimento económico rápido da zona euro. A esperança, quando do lançamento do euro, era que os países, sem moeda própria que pudessem desvalorizar livremente, teriam de competir entre si e que essa competição criaria mercados mais flexíveis e maior produtividade. Porém, como se viu, houve pouco crescimento das economias da zona euro nestes dez anos. As remunerações dos europeus da zona euro têm-se mantido em cerca de 70% das equivalentes americanas.
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A pergunta que eu avanço é a seguinte: A que se deve tal marasmo? Talvez o euro tenha criado um paraíso demasiado seguro e demasiado estável. Parcialmente abrigada dos turbilhões do capital estrangeiro instável, os estados membros têm permanecido sob menos pressão para se dinamizarem e inovarem. Se esta opinião for verdadeira, a causa desse marasmo não recai inteiramente sobre a moeda única. A sua criação e a maior parte da primeira década coincidiram com a “Grande Moderação”, como sugere The Economist, um período relativamente longo de estabilidade e de baixa inflação – e portanto de baixos custos financeiros – nos países desenvolvidos europeus. Mas os investidores e os bancos, que antes subvalorizaram os riscos, estão agora a cobrar pesadamente por eles (spreads, juros), o que afectará as empresas e os governos da zona euro, com reflexos condicionados no exterior.
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A crise financeira tem outra consequência. A despeito da fraqueza do dólar nos últimos meses, o euro terá de lutar para disputar ao dólar a sua posição de principal divisa de reserva mundial. Embora o euro tenha ganho em valor relativamente ao dólar, até agora, em parte porque o BCE tem sido muito relutante em seguir a Reserva Federal a caminho do juro zero. Mas o dólar saiu-se bem no ponto mais alto da tempestade financeira, em Outubro, quando o pânico entre os investidores estava no ponto mais alto. A divisa americana ainda tem vantagens importantes frente ao euro, tais como resiliência, confiança dos mercados, aceitação dos investidores.
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Portanto, o euro demonstrou ser seguro para quem está na zona euro em tempos de crise. Mas quão atraente é o euro para outsiders? O euro aguentou melhor a pressão dos mercados do que divisas ligadas a economias mais pequenas e menos diversificadas. O euro é apelativo por causa do tamanho da zona euro, da estabilidade política e da política monetária estável e segura. Mas sob a tempestade financeira que teve origem nos EUA, o dólar recuperou parte do seu valor cambial contra o euro precisamente em Outubro, quando a crise financeira estava ao rubro. Como se poderá compreender tal facto? Encontrei a resposta, por mero acaso, num artigo dedicado ao tema no Financial Times. O que se segue é um resumo, ou pelo menos é o que me pareceu relevante.
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A atracção do dólar como divisa de reserva é, em parte, um benefício da sua incumbência, ou seja, da sua utilização como moeda de referência. A nota verde é responsável por cerca de dois terços das reservas em divisas a nível global, comparadas com um quarto para o euro. Fora da União Europeia, o grosso das vendas através das suas fronteiras são facturadas e negociadas em dólares. Um terço exactamente da zona euro ainda negoceia com o mercado exterior em dólares. O dólar ainda domina as transacções globais de divisas – o que constitui um bom guia para avaliar o seu uso como “divisa de referência” em actividades comerciais entre economias, grandes ou pequenas.
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Segundo alguns comentadores, o euro não pode desafiar a posição hegemónica do dólar enquanto permanecer como uma moeda sem um estado. O euro não pode rivalizar com a liquidez oferecida aos mercados pelo American Treasury, que tem um único emissor. O euro tem 16 governos emissores de obrigações de mercados. As obrigações só serão úteis se poderem ser convertidas rápida e economicamente em moeda. No que se refere ao euro, só o mercado das obrigações alemãs satisfaz este requisito de liquidez mas os outros congéneres europeus não têm dimensão suficiente.
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Este problema da liquidez é produzido pelo receio de incumprimento de algumas das obrigações da zona euro, diz Stephen Jen, um analista de moeda do Banco Morgan Stanley, citado pelo Financial Times.
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A discriminação que agora, depois da crise financeira global, os mercados fazem entre os diversos créditos da zona euro é muito bom. Mas também demonstra que os investidores vêem o mercado financeiro do euro como fragmentado, o que desvaloriza a moeda como divisa de reserva. As dúvidas sobre os méritos de manter reservas em euros foram levantadas pela [alegada] fraca coordenação europeia de políticas financeiras – desde garantias de depósito até garantias bancárias e critérios fiscais – em resposta à crise de crédito.
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A lição que os bancos centrais asiáticos tiraram da actual crise financeira é que, quando as respectivas moedas estavam sob pressão, eles necessitaram de liquidez imediata para pagamentos ao exterior. É nesse momento crítico que o vigor duma divisa de reserva é testada e o dólar satisfez esse teste melhor do que o euro.
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O euro pode ainda conquistar algum terreno como segunda moeda de reserva, sem contudo disputar o primeiro lugar do dólar, mas à custa de divisas mais pequenas que hoje já funcionam como moedas para pequenas reservas como a libra e o franco suíço. O mais importante legado do euro para a história da economia está na área euro em si. O seu estatuto, demonstrado com a crise actual, de um paraíso abrigado da tempestade financeira tranquilizou muitas vozes que habitualmente culpam o euro e o BCE por todas as doenças das economias europeias. Se esta estabilidade se mantiver e o euro atravessar a crise actual incólume, então a confiança no euro será definitivamente consolidada. Em consequência disso, os políticos de todo o mundo poderão olhar com mais atenção para dentro dos respectivos países para criar novas soluções para os problemas que afectam as suas economias. Por isso, a discriminação actual do euro pelos mercados financeiros pode sugerir novos caminhos aos políticos europeus.
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Tudo o que se diz acima leva-nos a uma conclusão: o euro não poderá ascender a uma divisa de reserva no actual quadro político, embora esteja hoje colocado num lugar honroso no conjunto das divisas mais presentes nas trocas comerciais globais, que colocadas por ordem são: dólar, euro, yen, esterlino, iuan.
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O euro só poderá rivalizar com o dólar quando tiver um só emissor e um só gestor, portanto entidades equivalentes às americanas Bank of América e Federal Reserve. Então, se a minha conclusão está correcta, a dificuldade não é financeira. É política. Assim sendo, a melhor solução, em eficácia e rapidez, seria transformar a União Europeia em Federação de Estados Europeus.

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