sábado, 9 de maio de 2009

Campanha alegre...

O chamado combate à crise está transformado numa interminável sucessão de extraordinárias medidas, cada uma mais surpreendente que a anterior. É uma vertigem que está a deixar os portugueses um pouco zonzos. Poucos conseguem acompanhar o ritmo alucinante de tanta iniciativa e, por junto, deve haver meia dúzia que as entendem.
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Sempre que aparece em público o primeiro-ministro tem alguma coisa na manga. Dizem que é para marcar a agenda. Num dia é o subsídio social de desemprego, noutro é uma alteração ao subsídio, a seguir vem um acrescento ao mesmo subsídio. Depois vem um troço de um IP qualquer coisa, uma variante ao mesmo IP, um alargamento do restante, uma visita ao estaleiro. Safa!
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Há obras para todos os gostos e feitios. Estradas para todos os lados e, ao que parece, algumas para lado nenhum. Já somos o país da Europa com mais auto-estradas por habitante, mas a coisa só vai parar quando cada português tiver uma auto-estrada até à porta. Todas necessárias, todas indispensáveis, todas anunciadas como se fossem não uma necessidade efectiva mas a via que nos tirará do buraco em que estamos.Como a imaginação tem limites, a táctica é ir partindo os anúncios aos bocadinhos. Uma parte agora, outra dois dias depois, agora numa entrevista, a seguir no Parlamento.
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O que interessa é alimentar a ilusão de que a crise está a ser combatida à espadeirada, que a crise acabará por sufocar perante tanta energia, tanta iniciativa, tanto frenesim.
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As obras são mesmo necessárias? Não interessa. O que importa é fazer. Temos dinheiro para pagar? Pergunta estúpida. O dinheiro há-de aparecer e, um dia, quando já não houver crise, alguém pagará. Quanto é que tudo isto nos vai custar? Para quê fazer contas se o que conta é trocar as voltas à crise trocando as voltas ao futuro.
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A campanha alegre desceu à rua, a seis meses das eleições. A crise é o pretexto para esconder a realidade, lançando sobre a sua nudez um manto diáfano de ilusão (obrigado, Eça). Uma ilusão que, para mal dos nossos pecados, até pode durar seis meses. Mas não mais do que isso. O espectáculo não pode durar para sempre.
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Quando acabar, o frenesim das actuais medidas, espremido, dará pouco sumo. E pode ser tarde para recuperar cedo. O que vem a seguir será outra realidade e esta não se prepara com medidas avulsas, nem insistindo na irracionalidade das 'grandes obras'.Pode ser bom para marcar agenda, não é bom para o país.
Luís Marques
in Expresso

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