sexta-feira, 22 de maio de 2009

UM NOVO MUNDO

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O arquipélago The World está ao centro nesta antevisão elaborada em computador sobre uma fotografia de satélite da NASA. O anel que o rodeia é uma barreira contra a erosão das marés e das ondas. O arquipélago está cercado por uma representação do sistema solar, com o Sol à esquerda, vários planetas em baixo e uma galáxia à direita.
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À direita da fotografia está a Palm Jumeira Island, uma palmeira de ilhas também artificiais cheias de vivendas, hotéis e locais de diversão. As vivendas estão à venda a nível mundial e as ilhas deste conjunto estão em fase adiantada de acabamento.
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À esquerda da fotografia está outra palmeira, Palm Jebel Ali Island, que repete a mesma fórmula, actualmente em fase mais atrasada de construção.
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O “Creek” está do lado direito da imagem. É uma baía natural que foi dragada, alargada, alongada e de margens rectificadas, que divide o centro da cidade.

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Os residentes mais glamorosos já se sentem casa em “The World” (O Mundo), um arquipélago constituído por 300 ilhas artificiais (foto em cima) criada a cerca de 4 km da costa do Dubai por Nakheel, um dos três grandes operadores imobiliários do Emirado. Neste momento, já peixes piloto e peixes papagaio, habitantes vulgares das formações de coral, colonizaram os rochedos artificiais da barreira protectora que cerca o arquipélago contra a erosão das ondas e das correntes. A barreira, construída com 34.000 toneladas de rochas, tem a forma de um anel à volta do arquipélago – um quebra-mar para impedir que as correntes do Golfo Pérsico arrastem consigo O Mundo.
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Para muitos dos críticos, a economia do Dubai é tão artificial como as ilhas construídas pela empresa Nakheel. O Emirado recorreu ao crédito bancário e de grandes empresas de construção civil, que estão a trabalhar no estaleiro da construção, para fazer apostas especulativas sobre os activos imobiliários, dos quais O Mundo é apenas um estranho exemplo. Agora os estrategos políticos estão envolvidos em grande controvérsia sobre como construir um quebra-mar que possa proteger a prosperidade do emirado contra marés adversas: o afundamento de preços do imobiliário, o refluxo do comércio e do turismo e a inédita dificuldade em financiar as suas ambições.
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A dívida externa e interna do governo do Dubai e das empresas governamentais é de cerca de US$ 80 mil milhões. Cerca de US$ 11 mil milhões terão que ser amortizados no corrente ano, incluindo os encargos financeiros da dívida, e US$ 12,4 mil milhões no próximo ano. Só a Nakheel sozinha deverá refinanciar um título de dívida de US$ 3,52 mil milhões em Dezembro e um outro no valor de 3,6 mil milhões de dirhans (US$ 980 milhões) cinco meses mais tarde, de acordo com EFG-Hermes, um banco de investimento egípcio.
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As rochas de grande tamanho para o quebra-mar foram fornecidas pelo emirato vizinho do Abu Dhabi. O mais rico dos sete emirados que formam os Emirados Árabes Unidos (EAU), o Abu Dhabi está colocado literalmente sobre 94% das reservas de crude da federação. Através do banco central, o Abu Dhabi adquiriu US$ 10 mil milhões de obrigações do tesouro do Dubai, metade dos US$ 20 mil milhões que lhe foram propostos para aquisição. Esta caução, anunciada em Fevereiro, restaurou a calma, como se demonstra pela redução do seguro de crédito (ver gráfico em baixo). A economia mudou “do modo de crise para o modo de solução”, escreveu o governante do Dubai, Sheikh Muhammad bin Rashid al-Maktum, num debate na Internet com jornalistas em 18 de Abril, o primeiro em 8 anos.


A solução inclui remodelar o arquipélago propriedade de quasi empresas governamentais, conhecidas em linguagem vulgar como “Dubai Inc”. Estas empresas pertencem, no todo ou maioritariamente, a uma das seguintes companhias holding: Dubai World, Investment Corporation of Dubai e Dubai Holding, sendo a última propriedade do Sheikh Muhammad himself. Cada empresa holding detém uma imobiliária própria: Nakheel, Emaar e Dubai Properties, respectivamente.
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O governante sentiu-se feliz por delegar poder nestas empresas, que eram geridas como feudos pessoais. A competição entre elas obriga-as a aplicar a maior eficácia possível em todas as decisões, ao contrário dos indolentes ministérios de desenvolvimento urbano em qualquer parte. Mas os investidores também se sentem presas da vontade de um só homem. Emaar está a construir o edifício mais alto do mundo, portanto Nakheel anunciou uma torre com 1 km de altura que a ultrapassará em altura. O governo do Emirado está por trás das duas empresas, dando apoio às suas decisões. Mas as autoridades não exercem um controlo apertado, garantindo-lhes liberdade de decisões desde que sejam coerentes entre si e com a realidade social e económica do país, isto é, dos sete emirados que aceitaram aglutinar-se na actual federação.
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Durante o período de crescimento rápido, a oferta parecia criar a sua própria procura. Quer isto dizer que quanto mais se construía mais se vendia e os preços entraram numa espiral suicidária ascendente. Os investidores/construtores vendiam as propriedades, antes de o terreno estar preparado e nivelado, com o primeiro pagamento de 10% ou mesmo menos. Esta facilidade permitia aos especuladores comprarem dez apartamentos pelo preço de um com o objectivo de os venderem com um bom lucro antes que a segunda prestação fosse exigida.
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O mercado do sector imobiliário nunca deixou de crescer até atingir o pico em Setembro de 2008, cerca de 30 meses depois de o governo do Dubai ter permitido que estrangeiros residentes fora do Dubai comprassem propriedades em áreas designadas para esse efeito. Os preços caíram cerca de 25% no último trimestre de 2008, de acordo com índices compilados por várias entidades privadas, na ausência de dados fiáveis oficiais. Os promotores imobiliários pensam que a mesma queda aconteceu nos três primeiros meses de 2009. A queda total será agora de cerca de 50%. Com o rebentamento da “bolha imobiliária” deu-se a derrocada do sistema financeiro, exactamente como em Espanha ou nos EUA.
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O mercado dá sinais de que mesmo os dinâmicos investidores do Dubai não podem estar enganados. Em Março, o Middle East Economic Digest (MEED), um jornal local de actividades económicas e financeiras, calculava que investidores dos EAU tinham adiado 335 mil milhões de dólares em projectos de construção. Um projecto com prazo de construção de dois anos estava a progredir tão lentamente que necessitaria de 20 anos para terminar. A promotora imobiliária Nakheel tomou uma decisão: três meses depois de ter anunciado a sua torre de 1 km de altura, a empresa adiou o projecto.
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A reestruturação da Dubai Inc começou. Nakheel dispensou 15% dos seus quadros em Dezembro e continuou a cortar o seu pessoal. A Dubai Holding, do sheik Muhammad, também cortou pessoal. “No último ano, as pessoas falavam sobre quantas casas elas possuíam”, disse-me um morador de muitos anos no Dubai. “Agora, essas pessoas falam sobre quantos amigos perderam os empregos”. As outras economias beneficiam de estabilizadores fiscais automáticos quando os desempregados deixam de pagar taxas e começam a receber os subsídios da segurança social. Os emirados sofrem de um desestabilizador automático: 30 dias depois dum estrangeiro perder o seu emprego, ele perde o direito de permanecer no país. E quando partem, os trabalhadores ex-residentes deixam de gastar dinheiro na economia que deixam para trás. As empresas, frequentemente, deixam os nomes dos trabalhadores nos livros de pessoal efectivo, embora sem pagamento de salário, enquanto procuram alternativa de emprego. Mas o banco EFG-Hermes prevê uma redução de 17% na população do Dubai este ano. Um arquitecto do Dubai propôs que as residências devolutas dos trabalhadores nos estaleiros, onde os trabalhadores residiam oito em cada quarto, fossem convertidas em residências de renda baixa para as famílias que perderam a capacidade de pagar as rendas dos apartamentos que tinham alugado em tempo de crescimento da economia.
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Mas o Dubai está localizado numa boa região do mundo. O Abu Dhabi, o emirado vizinho, tem 92 mil milhões de barris de crude no subsolo e um fundo estatal com mais de US$ 300 mil milhões em activos. O balanço comercial consolidado dos EAU é ligeiramente deficitário. Ironicamente, o Abu Dhabi é o emirado que possui a maioria dos activos; o seu vizinho Dubai tem a maioria dos passivos.
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Uma política de boa vizinhança

Á medida que a crise do Dubai aumentava, todos esperavam que o rico vizinho a resolvesse. A espera durou poucos angustiados meses desde a confirmação da crise global em Setembro até que o banco central do Abu Dhabi decidiu comprar obrigações do Dubai em Fevereiro [de 2009]. O que provocou o atraso? Muitos comentadores argumentam que o governo do Dubai estava relutante em pedir auxílio e que o Abu Dhabi pediu um juro de 4% como retribuição do seu capital.
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O Abu Dhabi talvez não estivesse infeliz por ver as asas do Dubai atadas e a federação em aperto.
Mas Georges Makhoul, do Banco Morgan Stanley do Dubai, pensa que é errado descrever as deliberações da federação com se elas fossem as de “a family soap opera”. Ele esclarece: “Não é como se o povo do Abu Dhabi conspirasse para provocar sofrimento ao Dubai e o povo do Dubai conspirasse para extorquir dinheiro ao Abu Dhabi”. A oferta de ajuda foi aumentada em Novembro, diz Makhoul. Numa entrevista dada através da Internet ao jornal The Guardian e à revista The Economist do Reino Unido, o sheik Muhammad denunciou “perversas tentativas” dos meios de comunicação para “fabricar diferenças entre Abu Dhabi e o Dubai”. Ele queixou-se do “bombardeamento da imprensa” dos EAU desde que a crise global começou nos últimos meses de 2008. “Eu sei que muita gente de fora desta região gostaria que o modelo [de desenvolvimento] do Dubai fosse levado pela corrente do rio”.
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Os críticos do Dubai têm sido realmente persistentes nas críticas aos exageros cometidas pelos investidores imobiliários do Dubai. Mas o modelo de desenvolvimento do Dubai tem raízes profundas. O emirado, em conclusão, tem pedido dinheiro emprestado para investir em infra-estruturas desde 1950, ano em que o Dubai pediu pela primeira vez um empréstimo ao Kuwait para financiar a dragagem do Creek, o canal de água do mar que divide a cidade. Os resultados destes investimentos são por vezes surpreendentes. O Porto de Jebel Ali, do Dubai, por exemplo, é uma das maiores docas para navios porta-contentores do mundo.
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O Dubai tem também aplicado os melhores esforços na sua infra-estrutura imaterial. Por exemplo, o Dubai International Financial Centre importou de Londres as leis e regulamentação internacionais, embora não tivesse história institucional que justificasse opções tão dispendiosas.
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As pessoas qualificadas que o Dubai necessita são abundantes nos países da Europa ocidental. Para os atrair a migrar e trabalhar no emirado, o Dubai converteu-se num país onde os europeus podem sentir-se bem, nota um observador saudita. A Arábia Saudita é uma economia muito maior que oferece excepcionais condições de trabalho e remunerações. Mas luta com grandes dificuldades para atrair advogados, financeiros, economistas, engenheiros, e outros profissionais que necessita (o que não admira, devido à péssima reputação que as leis em vigor no país transmitiram para os europeus).
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As mais antigas famílias do Dubai, hoje ricas proprietárias dos melhores negócios do Dubai, descendentes dos primeiros emigrantes do Irão, da Índia e de Zanzibar, não abandonarão o país durante esta contracção da economia mais do que o fizeram para tratar de negócios no estrangeiro durante a melhor fase de crescimento. O Dubai possui hoje gente de 202 nacionalidades, segundo informação publicada pelo Ministério do Trabalho. Algumas destas pessoas talvez não tenham compromissos locais e estarão apenas de passagem. Mas para outras, o emirado é o único local da região onde eles gostam de viver. O Dubai é um microcosmo que imita a diversidade do mundo mesmo antes de a empresa Nakheel ter decidido construir a sua réplica num arquipélago artificial de 300 ilhas.
The Economist

2 comentários:

zigoto disse...

Caro Abacaxi
grato por mais este teu contributo - a ti que bem conheces a zona e por lá trabalhaste - dá que pensar.
Claro que compreendo a aposta do Dubai no turismo, visto o petróleo estar condenado a desaparecer antes de desaparecermos todos [o seres vivos] da Terra.
Entretanto e quanto a mim, subsistem outros problemas que exigem rápida resolução, a montante:
O principal é o respeito pelos Direitos Humanos, nessas ditaduras (convenientemente chamados reinos, emiratos,ou lá o que queiram)) enquanto durar o reino do petróleo.
Não me apetece visitá-los antes nem depois, por mais esplendoroso que sejam as condições de acolhimento e recepção.
Antes disso, esses países devem respeitar os Direitos Humanos. De outra forma, não gastarei um bit nem um cêntimo para os apoiar.

Abacaxi disse...

Obrigado, caro Zigoto, pela tua opinião. Partilho-a inteiramente. Vivi naquela zona oito anos mas não por prazer, antes por culpa dos caminhos ínvios da vida.

Mas estou grato pela oportunidade de ter lá residido e trabalhado. Foi uma experiência humana e cultural muito rica em ensinamentos. Do ponto de vista humano aprendi muito.