ANTÓNIO LEITÃO
Nasceu em Manteigas em 1932. Em 1956 concluiu o curso teológico no seminário do Patriarcado de Lisboa.
A sua origem serrana e a sua formação religiosa são os dois pólos que marcam as suas tendências literárias e lhe dão uma índole neo-romântica, por vezes tocando o misticismo marcado pela contradição entre um Deus infinitamente perfeito e uma humanidade infinitamente imperfeita, embora alegadamente feita à Sua imagem e semelhança.
Dotado de grande sensibilidade estética e humana, desejando intervir num mundo repulsivo povoado por falta de amor e egoísmo, a sua frustração exprime-se por uma ironia ácida que por vezes atinge o sarcasmo mais amargo.
Nascido poeta, escritor, compositor e maestro, a sua obra escrita é multifacetada e está bem representada nos 17 livros publicados, de prosa e de poemas, quase todos esgotados. Entre eles destacam-se “Conta Discorrente” (textos), “Breviário de Sol Denso” (textos), “Breviário de Sol Gris” (textos), “B. I. Vitalício” (poemas), “Chuva-Cântico-Esperança” (poemas), “Esta Voz que Anda Comigo” (poemas), “Não Será como Parede” (crónicas).
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A RENOVAÇÃO DO MUNDO
---(inédito)
Música, maestro!
Música, gulosos!
Poisa na esplanada
cio da cidade!
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Chegam namorados,
sentam na cadeira
dor de sexo vivo
longe do seu auge;
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pesa sobre a música
céu de noite cálida;
serve a dor do sexo,
chumbo a refundir.
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Chumbo que é limalha
chumbo que é varão
chumbo receptáculo
côncavo-estuante.
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Cio da cidade:
moscas remeladas
sobre a torpe, mole
besta de delíquios
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longe do seu auge.
Música, maestro!
solta na esplanada,
claro, o som da banda!
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Céu de noite cálida.
Música, gulosos!
pisa-me no sangue
livre o concentrado
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seu fulgor de pura.
Música, maestro
varre da esplanada
cio da cidade!
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Mulheres com flores
(as flores dão fruto)
mulheres num choque
de curto-circuito.
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Negócio, negócio
com sexo na montra:
nas casa do ócio
o amor não se encontra
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mulheres com seios
de polpa madura:
são carne, são leite,
primeira fartura?
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Quem chupa morangos
mordendo mamilos
tem lebres nos olhos,
nos dedos esquilos
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Negócio, negócio
com sexo na montra:
nas casas do ócio
o amor não se encontra.
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Mulheres de carne,
mulheres de plástico,
mulheres de cera,
de gesso, de elástico,
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mulheres vividas,
deitadas, de joelhos,
dançando, chorando,
comendo os espelhos
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quebrados na pedra
da rua que é nua,
mulheres de pedra
doiradas de lua,
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mulheres de sonho,
fronteiras-quimera,
mulheres-pureza
de haver primavera,
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Negócio, negócio
com sexo na montra:
nas casas do ócio
o amor não se encontra.
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Um anjo lá vem
violando o céu fundo:
mulheres prenhadas
renovam o mundo!
---------Guarda, 1971
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