À entrada para os últimos meses da presente legislatura, o Governo Sócrates enfrenta um momento particular. E o PS também. Com um intenso ciclo eleitoral à porta, a maioria e o Governo vivem dias tensos.
A "ajuda" da crise internacional e o ocaso da direita não chegam para emendar os efeitos duma governação baseada na ofensiva anti-social.
Depois de passar anos a esfrangalhar o que resta de Estado Social, acreditando que era possível - e quase sempre conseguindo, para dizer a verdade - enganar meio mundo com o "combate ao défice" e uma aparência de rigor, o Governo passa agora por merecidas dificuldades: Sócrates conta os dias, porque sabe que está a diminuir a claque que aceita governar contra a sua base social, fazendo quase sempre o contrário do que tinha prometido.
Dois exemplos recentes.
1. A imposição de um novo Código de Trabalho (CT) feito à medida dos patrões, instituindo a precariedade obrigatória e perseguindo direitos antigos.
Precisamente o contrário da promessa que elegeu este Governo - Sócrates e Vieira da Silva opunham-se ao Código-Bagão e garantiram (em 2003) que iriam emendar as suas injustiças quando chegasse a sua vez de se sentarem na cadeira da alternância.
À esquerda, votos contra; à direita, uma abstenção comprometida. Mas no grupo parlamentar do PS cinco deputados e deputadas opuseram-se também às novas leis laborais desenhadas por Sócrates e companhia. O Governo mandou Augusto Santos Silva pôr ordem nos rebeldes, embora sem sucesso. Não fora o compreensível favor da direita e a maioria encolhida ameaçava a absoluta arrogância deste Governo.
2. A perseguição aos professores, impondo um modelo de avaliação que ninguém aceita.
Duas esmagadoras manifestações depois - com a adesão da quase totalidade da classe docente -, a ministra acha que pode "não mudar uma vírgula". "São os sindicatos"...
Uma estranha arrogância, fundada no obscuro argumento da "manipulação" - o mesmo que é usado para justificar os ovos que os alunos atiram à decidida ministra, diga-se. Ainda por cima, quando o movimento que recusa esta ofensiva até já provou contar com a diversidade de inúmeras colaborações, algumas delas escapando à organização sindical. Há hoje muita determinação e uma quase unanimidade na Escola contra este processo.
António Costa já avisou que a teimosia pode valer a maioria absoluta, mas não é preciso ser um génio para perceber que a hegemonia deste Governo está em causa quando uma parte tão importante do tecido social (e da sua base de apoio) se dispõe a enfrentá-lo energicamente.
A maioria está a encolher.
Manuel Alegre afirma agora que dificilmente será candidato a deputado nas próximas legislativas pelo PS, dizendo coisas simples. É cada vez mais claro que para muitos e muitas militantes socialistas será difícil autorizar a continuação de uma política que recusa enfrentar o desemprego e precariedade, que persegue os funcionários públicos, que vai desmantelando a Segurança Social e os serviços públicos ou que impõe o estrangulamento financeiro das universidades. Tudo em nome da obediência aos poderosos.
Com a direita encostada, aperta-se o cerco ao argumento único de Sócrates para evitar a erosão da hegemonia desta direcção socialista: "o sectarismo da esquerda" é, afinal, o grito de tantas e tantas pessoas que exigem uma política diferente.
Tiago Gillot
in Esquerda.net
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