sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

O consumismo como nova forma de exploração

As formas clássicas de exploração do homem pelo homem já denunciadas pelos principais pensadores do socialismo desde o século dezanove, ainda que perduram, uma vezes maquilhadas outras na sua expressão mais cruel, estão a ser complementadas por outras formas de exploração que se vêm desenvolvendo e se impõem fundamentalmente nas chamadas sociedades desenvolvidas.
Refiro-me a essa nova forma de exploração do indivíduo e da sociedade que é representada pelo consumismo. Um nova forma de exploração que aparece no século XX e cujas consequências vão para além dos efeitos negativos e dolorosos que sempre teve e continua a ter a exploração dos trabalhadores sob o sistema capitalista de produção.
A Cimeira do Rio de Janeiro de 1992 alertou para que a modificação dos actuais níveis de consumo no mundo industrializado, isto é, a eliminação do consumismo, deveria ser uma das tarefas principais da humanidade para o próximo século, pois só assim se poderia salvar o planeta da catástrofe que se avizinha. Já se passaram catorze anos desde a realização daquela cimeira convocada pelas Nações Unidas, e descontando as centenas de discursos, o incumprimento de compromissos e as mil promessas dos governantes dos países ricos e industrializados, a verdade é que muito pouco se fez. Enquanto isso, a consciência do perigo mortal vai crescendo e os efeitos da deterioração ambiental multiplicam-se.
Ninguém duvida que as principais vítimas a sofrer com as consequências da grave deterioração do meio ambiente são os habitantes pobres dos países menos desenvolvidos. São os que não têm automóveis, nem aparelhos de ar condicionado, provavelmente nem sequer frigoríficos, ou seja, não são eles que contaminam a terra e, não obstante, é sobre eles que recai mais directamente os efeitos das emissões de dióxido de carbono causadoras do aquecimento do planeta e do efeito-estufa. Também são eles que, quando estão doentes, não têm hospitais, médicos nem medicamentos suficientes como os que existem na outra parte do planeta.
Tão pouco podemos esquecer que a população mundial demorou dezenas de anos a atingir a soma de 1.000 milhões de habitantes, soma essa que foi alcançada por volta do ano de 1800. Acontece que só nos últimos 200 anos a população mundial atingiu a cifra superior aos 6.300 milhões de habitantes, e que as previsões apontam para que no ano 2050 se chegue aos 9.000 milhões.
Esta grande explosão demográfica, junto à acelerada degradação das condições naturais básicas para a sobrevivência da humanidade está a provocar uma enorme preocupação em muitos países, sobretudo nos menos desenvolvidos já que é nestes que se regista um maior crescimento da população.
.Há que perguntar aos dirigentes políticos dos países mais ricos e industrializados se vão continuar a mentir aos habitantes da Terra. Há que interrogá-los para saber se vão continuar a dizer que é necessário consumir cada vez mais a fim de garantir o nosso desenvolvimento e bem estar e, com isso, ajudar ao desenvolvimento dos países pobres.
Até quando esta mentira será repetida, uma vez que todos os estudos realizados por instituições prestigiadas demonstram que não é possível que todos ao habitantes do nosso planeta possam alcançar algum dia o nível do bem estar e de desenvolvimento que os habitantes dos países desenvolvidos usufruem, pois o planeta Terra não tem recursos suficientes para os 6.000 milhões de habitantes, quanto mais para os futuros 9.000 milhões poderem consumir e desperdiçar da mesma maneira como fazem os que vivem actualmente na parte privilegiada do planeta. Seriam precisos 3 planetas Terra para dispor de recursos necessários a 6.000 milhões de habitantes poderem viver com o mesmo nível de consumismo insustentável.
Esta é que a verdade, ainda que cruel, e por isso, os indivíduos, os consumidores dos países ricos e industrializados não podem fechar os olhos face a esta realidade, pois o certo é que para nós, os tais 20% da população mundial, podermos continuar a viver com este nível de consumismo e de desperdício de recursos naturais será necessário que os outros 80% continue a viver nas condições de pobreza que todos conhecemos. Ou seja, o funcionamento da economia dos países ricos apoia-se no consumismo e na existência dessas grandes desigualdades.
Globalizou-se a desigualdade e por isso é que há cada vez maiores diferenças entre os países ricos e pobres. Mas isto não é inevitável e há que afirmar que esta situação pode ser mudada, pois outro mundo é possível, outros sistemas são possíveis, e que é possível globalizar a cultura, a saúde, o respeito pelo meio ambiente, e sobretudo que é possível globalizar uma alimentação justa para todos os habitantes do planeta chamado Terra, mas isso só será possível se travarmos a corrida armamentista, o domínio de uns países sobre outros e a destruição dos recursos naturais.
Há que apostar por um consumo racional e sustentável numa sociedade justa e sustentável, e esses dois objectivos devem estar unidos.
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O consumo sustentável significa a mudança do sistema
Há que dizer não a este novo sistema de exploração da humanidade que é representado pelo consumismo actual e contrapor a essa exploração um consumo sustentável.
O consumo sustentável ou consumo racional supõe muito mais que trocar um produto prejudicial para o meio ambiente ou para os seres humanos por outro menos nocivo. Nem significa apenas seleccionar os resíduos urbanos das nossas casas. Implica, acima de tudo, questionar o nosso sistema social, examinar o nosso papel face às desigualdades da economia mundial e exigir políticas que favoreçam uma real mudança no actual sistema de produção e consumo.
Mas significa principalmente assumir que a manutenção do actual modo de vida das sociedades consumistas só poderá acontecer à custa da manutenção do actual modo de vida das populações dos países pobres, além de justificar guerras e invasões a fim dos recursos naturais dos países pobres serem apropriados por aqueles outros.
Podemos pois afirmar que o consumismo afecta de maneira negativa todos os cidadãos do mundo, independentemente do local onde habitem. Além disso, afecta-nos porque somos vítimas de uma dupla exploração.
A que sofremos como trabalhadores e a que sofremos como consumidores, provocando comportamentos generalizados de consumo irracional, quase compulsivo, com a ilusão de que quanto mais consumirmos mais felizes seremos, e mais nos aproximaremos dos patrões e dos conceitos de vida que nos impõem os poderosos que governam a terra.
Por outro lado, há a exploração dos habitantes dos países pobres que, em consequência do consumismo e da sobre exploração dos recursos do planeta, não podem sair da pobreza e do subdesenvolvimento em que vivem e que permitem o consumismo e o desperdício no mundo dos ricos.
Para além dos efeitos que o consumismo está a provocar com a destruição do meio ambiente pondo em causa a própria sobrevivência do planeta, há que assinalar os efeitos desse modelo de comportamento consumista para a qualidade de vida e para a própria situação económica.
Este aspecto é objecto de um manto de silêncio, o que não surpreende uma vez que se o conseguirmos romper a sociedade começara a interrogar-se sobre o estilo de vida que tem adoptado, para além de começar a colocar em questão a noção de que ter mais significa ser mais feliz e gozar de maior qualidade de vida.
Verificamos que os consumidores das economias industrializadas empenham-se em consumir cada vez mais bens de consumo. Sofrem quase que uma dependência paranóica deste tipo de bens e que servem de estímulo externo para compensar o défice interior, para além de servir para constituir um símbolo de estatuto social. As classes dominantes incarnam uma imagem de realização das possibilidades humanas: poder, segurança, comodidade, refinamento e cultura. As demais pessoas, ao quererem imitá-las, perdem a sua capacidade autónoma de definir aquilo que é digno de se possuir. A formação dos gostos e preferência fica subordinado aos valores de uns poucos de privilegiados. Toda esta análise constitui a chave para conhecermos a ideologia do consumismo.
O consumo de bens satisfaz necessidades físico objectivas e, por consequência, tem sempre um ponto de saturação. O bem-estar ou a satisfação de bens relacionais ou de posição mede-se através da comparação com outros consumidores e outros momentos históricos, sem limites, já que a vontade de diferenciação é infinita.
Esta situação está a levar os consumidores dos países com economias desenvolvidas a um sobre endividamento, isto é, a gastar acima do seu rendimento e, com isso, a tornarem-se reféns do sistema.
Sempre que pensamos em evitar ou limitar os danos ambientais gerados pela produção, distribuição e consumo de bens, aceitamos a necessidade de produtos e técnicas menos prejudiciais. O que não é fácil de aceitar é a redução da produção e do consumo.
Nesse sentido, a promoção do consumismo através da publicidade, da televisão e dos centros comerciais deve ser objecto de contestação dos consumidores. Uma forma de fazer com que o consumo seja a simples satisfação de necessidades passa por nos libertarmos dos automatismos que nos impõem o hábito de um consumismo exacerbado. No fundo, são automatismos que fazem infelizes por nunca conseguirmos imitar os padrões de felicidade que a publicidade nos vende.
Terminamos com uma afirmação sobre o futuro da sociedade de consumo: esta não é mais que uma etapa da história que será ultrapassada. O que não se pode ainda prever é quando é que tal se dará por via de uma mudança de mentalidades ou então por via de uma situação apocalíptica do capitalismo em consequência do esgotamento dos recursos e da destruição do meio ambiente.

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