terça-feira, 2 de dezembro de 2008

DEBATE SOBRE NADA

Foi aprovado o orçamento. Logo veremos, em 2009, a sua consistência e a adequação aos tempos de crise. O debate poderia ter sido um momento propício para uma reflexão séria sobre a crise internacional e nacional. Mas não foi. A chicana é hoje o supra-sumo do pensamento político e da retórica parlamentar. Ministros e deputados aos berros, trocas de culpas e de acusações fúteis: o espectáculo não faz bem à cabeça de ninguém. Sobretudo à dos que lá estão. A superioridade moral da oposição é detestável. Uns disseram mesmo que a crise portuguesa é da exclusiva responsabilidade do primeiro-ministro e do Governo! A auto-satisfação convencida do Governo é abominável. Nunca argumenta, decreta!
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O Governo continua a distribuir Magalhães, na convicção, fingida ou não, de que com tal gesto está a estimular a alfabetização, a cultura, a curiosidade intelectual, o espírito profissional, a capacidade científica e a criatividade nacional. Será que nas áreas do Governo e do partido não há ninguém que explique que isso não acontece assim?
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Segundo a OCDE, o abandono escolar na União Europeia foi, em 2007, de cerca de 15%. Portugal, com 36,3%, tem a taxa mais alta. Mais um terço da população entre 18 e 24 anos não completou a escola e não frequenta cursos de formação profissional. Só 13% da população activa adulta completou o ensino secundário e perto de 57% apenas terminaram o primeiro ciclo do básico. Ainda segundo a OCDE e um estudo de Susana Jesus Santos (do banco BPI), a distribuição dos tempos de aulas nas escolas, para alunos de 9 a 11 anos, mostra como a juventude portuguesa está orientada. Em Portugal, a leitura (e o Português) ocupa 11% do tempo de aulas. Na União Europeia (UE), 25. Em Portugal, a Matemática ocupa 12%. Na UE, 17.
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O que é que o Magalhães tem a ver com isto? Nada. Absolutamente nada!
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Segundo os trabalhos de rotina do INE e da UE, o “clima económico” em Portugal nunca esteve, desde há 18 anos, tão baixo como agora. Trabalhos semelhantes sugerem que as expectativas dos consumidores atingiram o mais baixo ponto desde há 5 anos. O crescimento da economia e do produto têm vindo a diminuir todos os dias. Diminuem ambos na realidade dos factos, assim como nas estatísticas. O Governo (o mais optimista …), o Banco de Portugal, a União Europeia, a OCDE e o FMI publicam regularmente as suas previsões para 2008 e 2009, baixando sempre as taxas estimadas. Em princípio, Portugal aproxima-se do zero e de taxas negativas (-0,2% em 2009, por enquanto …). Há praticamente 8 anos que o país tem visto aumentar o atraso relativamente às médias europeias.
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O desemprego a subir e a atingir níveis desconhecidos há anos. A prometer ainda mais nos próximos tempos. Mais uma vez, os números são controversos: Governo, INE, Banco de Portugal, OCDE, EU e CGTP oferecem estimativas diferentes. Mas num só sentido: desemprego a aumentar.
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O endividamento público líquido é de mais de 140 mil milhões de euros, muito perto dos 100% do produto interno. Só os juros anuais pagos por essa dívida serão de cerca de oito mil milhões de euros. Talvez seis por cento do produto interno.
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O défice orçamental ultrapassou as previsões, assim como as metas nacionais e europeias, tendo agora o Governo de, ao contrário do que sempre afirmou, recorrer a receitas extraordinárias, no valor de mil milhões de euros, para respeitar o patamar imposto de 2,2 por cento. O défice da Caixa Geral de Aposentações (funcionários públicos e equiparados) será, em 2008, superior a 3 mil milhões de euros, cerca de 2% do produto interno. Era, em 2005, de 1,5 mil milhões.
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Os últimos números disponíveis revelam que a emigração portuguesa retomou e faz agora lembrar alguns anos da década de sessenta. Nessa altura, a emigração era muita, mas o crescimento económico também. Hoje a emigração é grande, mas o crescimento económico estagna. Calcula-se em cerca de 60 mil a 70 mil o número de portugueses que vão trabalhar para Espanha todos os dias ou todas as semanas, além de dezenas de milhares que já se estabeleceram definitivamente no país do lado. Com a crise económica espanhola, esperam-se tempos difíceis.
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O número de imigrantes estrangeiros em Portugal está a diminuir e muitos dos que aqui viveram uns anos já se foram embora. O problema é que não são substituídos: ou não deixam postos de trabalho vagos, porque estes são extintos, ou não há portugueses que queiram ocupá-los.
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As estatísticas demográficas continuam a revelar números que nos obrigariam a reflectir, mas essa não parece ser a inclinação das autoridades. O número de óbitos já é superior ao número de nascimentos. O envelhecimento é muito rápido. A esperança de vida cresce. O número de pessoas com mais de 65 anos já é muito superior ao de jovens. E não se trata apenas de um problema de força de trabalho. Os gastos com as reformas e pensões aumentam na vertical. M ais: os custos da saúde e dos cuidados com idosos em dependência, nos últimos três ou quatro anos de vida, são iguais a toda a despesa verificada durante os 60 ou 70 anos de vida. É lógico, natural e assim terá de ser, mas a pressão criada sobre as finanças da segurança social é enorme.
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Esta semana em Viseu, numa conferência organizada pela Associação Portuguesa de Seguradores, Eugénio Ramos, especialista em questões de segurança social, resumiu em poucas palavras o que nos espera: “Vamos viver mais, trabalhar mais e ganhar menos”. Disto o orçamento não fala. Nem o parlamento.
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António Barreto, in Público

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