As Mãos
Com mãos se faz a paz se faz a guerra. Manuel Alegre |
DUAS FOTOGRAFIAS QUE CHOCARAM O MUNDO
A bala disparada à queima-roupa perfurou o cérebro de um prisioneiro vietcong e a foto capturou o momento exacto da execução.
Há duas personagens desta tragédia: Nguyen Ngoc Loam, coronel, nomeado chefe da Polícia Nacional da República do Vietname, e um oficial vietcong capturado, o capitão Nguyen Van Lém, o mesmo nome próprio que o seu assassino.
Nesta foto já não existe vida, nem no carrasco nem na sua vítima: a câmara de Eddie Adams transforma-os em monumentos que recordam à Humanidade a brutalidade selvagem de uma guerra sem honra.
A Guerra do Vietname foi um conflito armado que durou entre 1959 até 30 de abril de 1975.
O envolvimento dos EUA no conflito teve como pretexto um ataque norte-vietnamita aos seus navios USS Maddox e USS C.Turney Joy enquanto patrulhavam o Golfo de Tonquim (o chamado incidente do Golfo de Tonkin), em julho de 1964.
As hostilidades originaram-se com a intromissão dos EUA na política interna do Vietnam. Conforme definido pela Convenção de Genebra, os vietnamitas teriam direito a eleições livres para escolher seus governantes. Mas diplomatas estado-unidenses sabiam muito bem que, se fossem autorizados plebiscitos no país, os comunistas venceriam com mais de 90% dos votos, graças à enorme popularidade de seu líder, Ho Chi Minh, patriota e herói da resistência vietnamita contra a ocupação japonesa e a luta pela independência da França (também conhecida como a Guerra da Indochina). O maior temor dos Estados Unidos não era apenas a possibilidade de o Vietnã cair nas mãos dos comunistas, e sim o chamado "efeito dominó", isto é, que outros países vizinhos tentassem seguir o exemplo da insubordinação vietnamita. |
No início, os EUA apoiavam o regime ditatorial do Vietname do Sul com dinheiro, armas, carros de combate, assessores militares e, a partir de 1962, tropas. Combatiam de um lado uma coalizão de forças incluindo os Estados Unidos da América, a República do Vietnã (Vietnãamedo Sul), a Austrália, a Nova Zelândia, as Filipinas e a Coreia do Sul, e do outro lado a República democrática do Vietnã, a Frente de liberação nacional (FLN, Vietcong, ex-Vietmin) e a guerrilha comunista sul-vietnamita. Cerca de 540 000 estado-unidenses foram enviados para o Vietnam entre 1965 e 1973 para ajudar a preservar a independência do Vietname do Sul pró-capitalista em relação ao norte comunista. Os helicópteros indispensáveis à campanha dos aliados e a artilharia pouco ou nada podiam fazer, na maioria das vezes os soldados estado-unidenses ficavam vulneráveis neste território pouco conhecido, ao contrário dos Vietcongs que o conheciam como a palma da mão e possuíam uma grande rede de abrigos subterrâneos e túneis, realizando armadilhas e emboscadas. A URSS e a China forneceram ajuda material ao Vietname do Norte e ao FLN, mas não tiveram participação militar activa no conflito.
Entrementes no Sul, assumia a administração em nome do imperador, Ngo Dinh Diem, um líder católico, que em pouco tempo tornou-se o ditador do Vietname do Sul. Ao invés de realizar as eleições em 1956, como previa o acordo de Genebra, Diem proclamou a independência do Sul e cancelou a votação. Os americanos apoiaram Diem porque sabiam que as eleições seriam vencidas pelos nacionalistas e pelos comunistas de Ho Chi Minh. Em 1954, Dwight Eisenhower, então Presidente dos Estados Unidos, explicou a posição americana na região pela defesa da Teoria de Dominó: "Se vocês puserem uma série de peças de dominó em fila e empurrarem a primeira, logo acabará caindo até a última... se permitirmos que os comunistas conquistem o ameVietnã corre-se o risco de se provocar uma reação em cadeia e todo os estados da Ásia Oriental tornar-se-ão comunistas um após o outro."
A partir de então Diem conquistou a colaboração aberta dos EUA, primeiro em armas e dinheiro e depois em instrutores militares. Diem reprimiu as seitas sul-vietnamitas, indispôs-se com os budistas e perseguiu violentamente os nacionalistas e comunistas, além de conviver, como bom déspota oriental, com uma administração extremamente nepótica e corrupta. Em 1956, para solidificar ainda mais o projeto de contenção ao comunismo, especialmente contra a China, o secretário John Foster Dulles criou, em Manila, a OTASE (Organização do Tratado do Sudeste Asiático), para servir de suporte ao Vietname do Sul.
Essa guerra era uma parte do conflito regional envolvendo os países vizinhos do Cambodja e do Laos, conhecido como Segunda Guerra da Indochina. No Vietname, esta guerra é chamada de Guerra da América (Vietnamita: Chiến Tranh Chống Mỹ Cứu Nước, literalmente Guerra contra os americanos e para salvar a Nação). Para tal, os vietnamitas tiveram de suportar baixas e bombardeios terríveis. O grande número de baixas americanas (57939 soldados perderam suas vidas entre 1962 e a retirada aliada, em 1975) tornou o conflito extremamente impopular. Muitos dos que passaram a protestar contra essa guerra eram pessoas que a apoiaram entusiasticamente no início.
Este conflito se inscreve no contexto da Guerra Fria, conflito entre as potências capitalistas e o bloco comunista.
A reação contra a guerra e a contra-cultura
A participação crescente dos EUA na Guerra e a brutalidade e inutilidade dos bombardeios aéreos - inclusive com bombas napalm - fez com que surgisse na américa um forte movimento contra a guerra. Começou num bairro de São Francisco, na Califórnia, o Haight - Aschbury, com "as crianças das flores" (flower children), quando gente jovem lançou o movimento "Paz e Amor" (Peace and Love), rejeitando o projecto da Grande Sociedade do Presidente Lyndon Johnson.
A partir de então tomou forma a movimento da contra-cultura - chamado de movimento hippie - que teve enorme influência nos costumes da geração dos anos 60, irradiando-se pelo mundo todo. Se a sociedade americana era capaz de cometer um crime daquele vulto, atacando uma pobre sociedade camponesa no sudeste asiático, ela deveria ser rejeitada. Se o americano médio cortava o cabelo rente como um militar, a contracultura estimulou o cabelo despenteado, comprido, e de cara com barba. Se o americano médio tomava banho, opunham-se a ele andando sujos. Se aqueles andavam de terno e gravata, aboliram-na pelo brim e pela sandália. Repudiaram também a sociedade urbana e industrial, propondo o comunitarismo rural e a actividade artesanal, vivendo da fabricação de pequenas peças, de anéis e colares. Se o tabaco e o álcool era a marca registada da sociedade tradicional, aderiram à maconha e aos ácidos e as anfetaminas. Foram os grandes responsáveis pela prática do amor livre e pela abolição do casamento convencional e pela cultura do rock. Seu apogeu deu-se com o festival de Woodstock realizado em Nova York, em 1969.
A revolta instalou-se nos Campus Universitários, particularmente em Berkeley e em Kent onde vários jovens morrem num conflito com a Guarda Nacional. Praticamente toda a grande imprensa também se opôs ao envolvimento. Surgiu entre os negros os Panteras Negras (The Black Panthers) um expressivo grupo revolucionário que pregava a guerra contra o mundo branco americano da mesma forma que os vietcongs. Passeatas e manifestações ocorriam em toda a América. Milhares de jovens negaram-se, pela primeira vez na história do país, a servir no exército, desertando ou fugindo para o exterior.
Esse clima espalhou-se para outros continentes e, em 1968, em março, eclodiu a grande rebelião estudantil no Brasil contra o regime militar, implantado em 1964, e em maio, na França, a revolta universitária contra o governo de Charles de Gaulle. Outras ainda ocorreram no México e na Alemanha e Itália. O filósofo marxista Herbert Marcuse afirmou que a revolução seria feita doravante pelos estudantes e outros grupos não assimilados pela sociedade de consumo conservadora.
A ofensiva do Tet e o desengajamento
Em 30 de janeiro de 1968, os vietcongs fizeram uma surpreendente ofensiva - a Ofensiva do Tet (o ano novo lunar chinês usado no Vietnã) - sobre 36 cidades sul-vietnamitas, ocupando inclusive a embaixada americana em Saigon. Morreram 33 mil vietcongs nessa operação arriscada, pois expôs quase todos os quadros revolucionários, mas foi uma tremenda vitória política. O General Wetsmoreland, comandante-chefe das forças dos Estados Unidos no Vietnã, que havia dito que "já podia ver a luz no fim do túnel", predizendo uma vitória americana para breve, foi destituído, e o presidente Johnson foi obrigado a aceitar negociações, a serem realizadas em Paris, além de anunciar sua desistência de tentar a reeleição.
Para a opinião pública americana tratava-se agora de sair daquela guerra de qualquer maneira. O novo presidente eleito, Richard Nixon, assumiu o compromisso de "trazer nossos rapazes de volta", fazendo com que, lentamente, as tropas americanas se desengajassem do conflito. O problema passou a ser de que maneira os Estados Unidos poderiam obter uma "retirada honrosa" e manter ainda o seu aliado, o governo sul-vietnamita.
Desde 1963, quando os militares sul-vietnamitas, apoiados pelos americanos, derrubaram e mataram o ditador Diem (àquela altura extremamente impopular), os sul-vietnamitas não conseguiram mais preencher o vácuo de sua liderança. Uma série de outros militares assumiram a chefia do governo transitoriamente enquanto os combates mais e mais eram tarefa dos americanos. Nixon passou a reverter isso, fazendo com que os sul-vietnamitas voltassem a ser encarregados das operações. Chamou-se isso de "vietnamização" da guerra. Imaginou que abastecendo-os o suficiente de dinheiro e armas eles poderiam lutar sozinhos contra o vietcong. Transformou o presidente Van Thieu num simples títere desse projeto. Enquanto isso, as negociações em Paris marcavam passo. Em 1970, Nixon ordenou o ataque a célebre Trilha Ho Chi Minh que passava pelo Laos e Camboja e que servia como estrada de abastecimento do vietcong. Estimulou também um golpe militar contra o neutralista príncipe Norodom Sihanouk do Camboja, o que provocou uma guerra civil naquele país entre os militares direitistas e os guerrilheiros do Khmer Vermelho liderados por Pol Pot.
Vítimas
O total de vítimas da Guerra do Vietnã entre os anos de 1964 até 1975 é impreciso, oscilando entre 1 milhão e meio a dois milhões de vietnamitas mortos, entre civis e militares. Parte considerável da população economicamente ativa do país morreu durante o conflito. Este fato provocou uma grave crise econômica nos anos seguintes ao término do conflito. Morreram aproximadamente 54.000 soldados estado-unidenses até a retirada dos Estados Unidos do conflito em 1973.
Embargo comercial
Quando os vietnamitas começaram a construir o socialismo no país unificado, primeiramente eles optaram pelo velho modelo soviético que, por não levar em conta as peculiaridades e as realidades nacionais, fracassou. O país então entrou em uma crise econômica que agravou ainda mais sua situação social. Em 1987 o Vietnã enfrentava uma inflação de quase 700% ao ano, uma grande carência no abastecimento de mercadorias e artigos de primeira necessidade como o arroz, por exemplo, estavam sendo importados. Além disso, o país só mantinha relações comerciais e diplomáticas com países socialistas, pois sofria o embargo de países capitalistas, sob imposição dos EUA.
Estados Unidos: 2.300.000 homens serviram no Vietnã de 1961 a 1974, com 46.370 mortos e 300.000 feridos.
Vietname do Sul: 1.048.000 homens (Exército regular e Forças Populares), com 184.000 mortos.
Vietname do Norte e Vietcong: cerca de 2.000.000 homens, com 900.000 mortos no total.
Adolpho J. de Paula Couto, A Face Oculta da Estrela, Gente das Letras, Porto Alegre
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1 comentário:
Esta guerra foi uma tragédia e serviu unicamente para demonstrar que os Estados Unidos não eram (nem são) invencíveis.
Contudo, nem a humilhante debandada americana de Saigão serviu para Washington perder a arrogância.
Resta saber quando, e como, os americanos abandonam o Iraque e o Afeganistão...
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