O mosaico português (ou pedra portuguesa, como é conhecido no Brasil, ou calçada portuguesa, como é conhecido em Portugal) é um determinado tipo de revestimento de piso, utilizado especialmente na pavimentação de calçadas e de espaços públicos de uma forma geral.
Consiste de pedras de formato irregular, geralmente de calcário, que podem ser usadas para formar padrões decorativos pelo contraste entre as pedras de distintas cores. As cores mais tradicionais são o preto e o branco, embora sejam populares também o marrom e o vermelho. Em certas regiões brasileiras, porém, é possível encontrar pedras em azul e verde. Em Portugal, os trabalhadores especializados na colocação desse tipo de calçada são os mestres calceteiros.
Em Portugal, de onde é originária, a calçada portuguesa surgiu no século XIX e é amplamente usada no calçamento de áreas pedonais. No Brasil, foi um dos mais populares materiais utilizados pelo paisagismo do século XX, devido à sua flexibilidade de montagem e de composição plástica. Sua aplicação pode ser aferida em projetos como o do calçadão da Praia de Copacabana (de Roberto Burle Marx) ou nos espaços da antiga Avenida Central, no Rio de Janeiro, e na Avenida Paulista, em São Paulo.
Em 1842 o comandante do Caçadores 5, Eusébio Pinheiro Furtado, notando a preguiça dos seus militares, pô-los a revestir a parada do batalhão com pedrinhas pretas e brancas inventando a calçada portuguesa.
Lisboetas, turistas e pendulares calcam apressadamente ondas do Mar Largo, caravelas, caranguejos, golfinhos, sereias, estrelas-do-mar, rosetas, lagartos fantásticos, florões e tapetes dos mais variegados formatos; obras dos nossos calceteiros-artistas quais poetas que inundaram com os seus mares de pedra as praças e artérias principais da nossa cidade com a sua dura poesia.
Nem sempre os alfacinhas reagiram assim. Quando começaram os primeiros trabalhos de calçada portuguesa juntavam-se magotes de povo que se surpreendiam com esta nova arte esculptórica. Com o passar dos anos, fez escorregar esta admiração para o esquecimento e os transeuntes pelas calçadas... a pedra desgasta-se ao longo dos anos com o polimento diário feito por milhares de botas cardadas ou não, saltos aguçados que vão picando a pedra, carrinhos nascidos de variadíssimas invenções; sim, porque o Lisboeta orgulha-se de outro tipo de arte citadina: o desenrasca – palavra que foge ao purismo da língua mas de grande uso diário...
O velho provérbio «santos de casa não fazem milagres» poder-se-à também aplicar à divulgação da arte existente na calçada portuguesa; em 22 de Setembro de 1945 a revista Século Ilustrado publica um artigo de Judith Maggioly intitulado «Repare onde põe os seus pés» aconselhando «…baixe um pouco os olhos e repare que está pisando estrelas, peixes, flores, liras, pássaros…»
Após este primeiro convite público muitos outros jornalistas e fotógrafos nacionais e estrangeiros se surpreenderam com a nossa calçada e desde essa época revistas e jornais das mais variadas partes do mundo escrevem, fotografam e encantam-se com esta arte tipicamente lisboeta.
A arte-do-calcário-e-basalto começa a espraiar-se por um mar de países devido, em parte aos seus tons sóbrios que se integram facilmente no ambiente envolvente.
Painéis calcetados tornam-se obras de arte e pertença desses povos que os tratam com carinho, preservando-os com cuidados que nada têm a ver com o atirar pedregulhos para o lado ‘porque estão a estorvar a passagem...’, sendo-lhes indiferente que pedras facetadas e partidas manualmente pertençam a um painel.
Variados episódios poderiam ser relatados; irei referir apenas um por ter acontecido há pouco tempo e ainda não ter visto o seu registo: um português ao pisar um painel de calçada à portuguesa feito em homenagem a John Lennon no Strawberry Fields do Central Park of New York, foi surpreendido por um grupo de norte-americanos que lhe explicava que era uma obra de arte pintada a negro e como tal não se poderia pisar. O polícia presente declarou que não estava previsto na lei qualquer penalização, mas efectivamente ninguém o fazia. O nosso português lá repôs a verdade dos factos...
Poderemos sintetizar desta maneira a arte do calcetamento:
· Nasce da abstracção da cor recorrendo apenas ao contraste;
· Sobrepõe o rigor do ornato ao sugestivo do desenho;
· Tende para a vasta dimensão em vez de se cingir ao motivo restrito.
· Possui um sentido estético e utilitário que nunca satura os olhos porque surgem sempre inéditos conforme o ângulo de que se observem.
· Morre tardiamente: a sua morte prematura deve-se somente à incúria de quem deveria zelar pelo seu Património.
À arte da calçada portuguesa poder-se-ia aplicar o libelo que Alexandre Herculano usou para os monumentos:
«Erguer-se-ão rusmas de nabos, de couves e de alfaces no lugar do monumento. E que é, com efeito, neste século egoísta, indiferente positivo, um monumento a par de uma jiga de hortaliças, que é uma recordação de D. Fernando e de D. João I a par de um bem criado repolho.»
in Alexandre Herculano, «Os Monumentos II»
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