Entrevista com Carlos Schwarz, líder da ONG Acção para o Desenvolvimento
In DN de 13 Abril 2008
Em que quadro resolveu realizar o simpósio de Guiledje?
É importante sublinhar, antes, que os povos guineense e português têm, agora, a oportunidade de estabelecer um novo processo de cumplicidade. Algo que transforme os desencontros de ontem em memórias e iniciativas conjuntas e que ultrapassem os actos meramente oficiais, fixando-se e aprofundando-se em organizações associativas, escolas, câmaras e ONG.
O simpósio foi já algo desse tipo?
Sem dúvida e representa um primeiro marco no reencontro daqueles que, um dia, se combateram, guineenses, cabo-verdianos, cubanos e portugueses.
Não foi difícil acertar este primeiro reencontro?
Não. Tenho muitas dificuldades em imaginar um encontro assim, noutros espaços do mundo, juntando antigos colonizados e colonizadores e realizado num espírito de profunda amizade e de completa tranquilidade na procura da verdade histórica. Não estou a ver a Argélia e a França, ou o Quénia e a Inglaterra, ou mesmo o Vietname e os Estados Unidos a promoverem um encontro deste tipo. E não conheço um museu histórico de guerra como o que está a ser criado em Guiledje, que não pertencerá a país nenhum mas apenas aos que por lá passaram e combateram. Procuramos fazer desse pedaço da história luso-guineense um património comum, mesmo quando vista com olhares diferentes e eventualmente discordantes. Tenho a certeza de que o comandante guineense Buota Na Batcha, o comandante cabo-verdiano Julinho de Carvalho e o comandante português Alexandre Coutinho e Lima, reconhecerão que é o seu museu quando nele entrarem.
A acção coincidiu com os trabalhos de levantamento de ossadas portuguesas em Guidaje. De que forma olham os guineenses para a recuperação de restos de militares portugueses mortos em combate?
É um direito das famílias conseguir o regresso dos restos mortais de entes que lhes são queridos e nada pode justificar que isso lhes seja impedido, como alguns parecem fazer crer, transmitindo uma certa ideia de que estamos perante "despojos de guerra" ou uma espécie de património histórico nacional.
Esse seu olhar é abrangente? Isto é, centra-se nos portugueses e nos guineenses?
Claro. Nestes últimos 35 anos, como já acontecia na época colonial, continuou a haver portugueses de primeira e de segunda. Os naturais da Guiné que lutaram pela bandeira portuguesa e que sobreviveram, muitos mutilados, continuam esquecidos na valeta da História, abandonados, empurrados. Sentem-se, naturalmente, injustiçados.
E quanto aos guineenses caídos na luta pela independência?
Também nós, aqui, nos fomos esquecendo dos nossos mortos mas, sobretudo, dos nossos vivos. Gente que permaneceu anónima na epopeia em que participou e que foi mais do que uma luta armada, porque o objectivo era o da criação de um Estado moderno, cujos primeiros sinais irromperam com a própria luta - educação, os hospitais de tabanca, o comércio, a agricultura. Mesmo que esse projecto de sociedade se tenha escondido ou perdido nos recantos de Bissau. - S.B.
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