O TRIUNFO DOS PORCOS
Retomo uma pergunta formulada por Elio Vittorini (Il Politecnico - Setembro de 1945) no debate que manteve com Palmiro Togliatti: "Que faz a cultura pelo homem que sofre? Procura consolá-lo." As frases possuem uma actualidade excruciante: consolar é o contrário de resolver. Se convoco Vittorini para o texto é porque o grande escritor foi o chefe de orquestra de um pensamento aberto ao dinamismo das ideias, e a Itália intelectual o palco no qual se dirimiram questões fundamentais para o futuro da liberdade e da democracia.
Mas a Europa está exausta. E a Itália é um dos resultados dessa exaustão. Os debates sobre política e cultura ausentaram-se do tablado. A pobreza do pensamento europeu explica, em grande parte, a ascensão de uma classe dominante marcada pela incultura. O efeito nefasto deste vazio procriou governantes de incertas convicções e ambígua ideologia, incapazes de separar os diferentes aspectos da realidade. Veltroni proclama os estremecidos desejos de "renovar a esquerda". Já sabemos no que vão dar essas aspirações: à mutilação das raízes.
Naturalmente, precisamos de uma "outra" esquerda; mas, também, de uma "outra" direita. O recenseamento das abdicações mútuas (da direita e da esquerda) produziu populistas sem escrúpulos e um rol infindável de crimes.
Nem revolta nem revolução. O que se nos propõe como realidade está repleto de logros, embustes e ilusões. Em nome da "democracia liberal" (que mais não é do que "democracia financeira") há a intenção de se instaurar e consolidar uma ordem despótica. Não há alternativa, proclamam. Há. Desde que a regulação dos conflitos admita que as formas de infelicidade social têm origem nas deformações políticas.
Silvio Berlusconi reaparece por impossibilidade de uma esquerda cuja deriva ultrapassa qualquer capacidade de cálculo, e de uma direita doente de domínio e defensora de doutrinas obsoletas. O que nos remete para o problema da democracia. Que está em perigo, não só em Itália. Basta que olhemos em volta: a grosseria espezinha qualquer tipo de civilidade. É a vitória dos porcos, como escreveu Orwell. |
Baptista-Bastos in DN de 16 Abril 2008
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