quarta-feira, 22 de outubro de 2008

POESIA PORTUGUESA ERÓTICA E SATÍRICA - #3


MARIA TERESA DE MASCARENHAS HORTA

Nasceu em Lisboa a 20 de Maio de 1937.
Frequentou a Faculdade de Letras, entrou no jornalismo e trabalhou e colaborou em jornais como A Capital, Diário de Lisboa, República, Século, Diário Popular, Expresso, Diário e na revista Mulheres. Ligada ao movimento de renovação da poesia portuguesa dos anos 60, pertenceu ao grupo Poesia 61.

A sua poesia derrubou os últimos tabus do erotismo encarado do ponto de vista feminino, sem fugas nem retóricas parabólicas, mas sempre com deslumbre activo que a faz renunciar a eufemismos para poetisar o sexo e o acto sexual.
Assumidamente feminista, dedicou grande parte da vida à luta das mulheres. Respondeu em tribunal, num processo de grande polémica, pela publicação do livro "Novas Cartas Portuguesas" (1972), de que é co-autora com Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa.


POEMA DE INSUBORDINAÇÃO

Preto
sem submissão
palavra de relevo agudo
nas ruas

Preto
de água de vento de pássaro
de pénis
de agudamente preto
de demasiado

como um cardo submerso de
som

Preto de saliva na ogiva
dos lábios

Objectos solares
quente interiores marítimos
curvos inseguros
preto

o tempo dos desertos
facetados na boca

lento
por dentro das pedras

a suporar de luz

Preto
em perpendicular
aos ombros das janelas

jamais sinónimo
de noite e nunca mole
em diagonal aos dedos

dedos habitados
pelo útero

dedos rasgados onde o
preto
começa

Húmido

Latejante

Entumescido branco
Preto
sòmente numa praça
a vagina da erva

Da ironia da viagem
do espelho do cuidado
no perder exacto
do Inverno sem seios
sem sombra

Preto
de apertar na mão
e introduzir no sexo

Monge de sedução
a deslizar nos olhos
monge
de planície de pranto
de perante o dia

Preto
anca demasiada na lâmpada

de Ciúme

Preto
oceano

Preto clínico

Preto
missão de apenas a sensação
no vácuo

apenas desequilíbrio
dos cornos das cidades
dos cornos rosados dos
gladíolos abertos

“Tatuagem”, Poesia 61, 1961

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