Manuela deve ter sentido um valente nó no estômago. Acontece às melhores famílias - há mais de 20 anos, também os comunistas tiveram de engolir um sapo, ao botarem a cruzinha em Mário Soares, tapando as bochechas no boletim de voto.
Essa noite, passou-a a senhora quase em claro. Só se lembra de um pesadelo em que um tal Pedro, Lopes de apelido, aparecia de lenço laranja às bolinhas enfiado na cabeça. Era o "menino-guerreiro" cheio de vontade de ser de novo autarca, prometendo implacável combate às rendas de cinco euros que a Câmara cobra, festas todas as noites em Monsanto, poupanças na assessoria de imagem.
Ela, que se comprometera a devolver credibilidade ao partido, para que voltasse a ser levado a sério nos salões da política, logo teria de ceder a um populista do pior, ainda por cima mulherengo, na primeira decisão de fundo que as curvas da liderança lhe oferecem.
Manhã cedo, puxou de uma folha de papel quadriculado. O gesto é rotineiro. Sempre que passa uma noite mal dormida, dedica-se a elaborar gráficos com a evolução do défice público. Assim alivia o stress. Se fosse fumadora, daria uma passa.
Desta vez, não foi o Orçamento de Estado que a preocupou. De um lado da página, inscreveu a percentagem de risco, se Lopes se mantivesse de língua à solta por muito tempo. Do outro, a respeitante à candidatura - à Câmara de Lisboa, enfim, porque já tinha passado a fase de leilão, durante a qual ele habitualmente se oferece para disputar uma dezena de autarquias, com a sua aura de ser ungido pelos santos óleos do sucesso.
Ao período de pausa - "Até Outubro do próximo ano, folgam-me as costas", disse Manuela para os seus botões - atribuiu um valor. O resultado das eleições foi convertido em equação. Um bónus para ela própria, em caso de triunfo, que deve ser partilhado com o partido, por alguma razão o símbolo conta. As derrotas valem menos; ficam com quem as sofre.
Passou horas em arredondamentos. Fez um ou outro acerto, mas teve o cuidado de não incluir nas contas a venda da alma. E concluiu que o risco vale a pena, porque o PSD precisa de vitórias como de pão para a boca. Até deu consigo a imaginar o slogan da campanha: "Credibilidade populista".
Paulo Martins
in JN
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